Bento XVI e o alargamento da razão

Publicado no Jornal O Lutador de Belo Horizonte em 14 de maio de 2008:

“Alarguemos a razão”: Bento XVI e um dos grandes desafios do mundo hoje


Desde o pontificado de João Paulo II, a Igreja vêm demonstrando sua preocupação frente a necessidade de se estabelecer um diálogo entre a fé e a razão. Claro que o debate entre as duas esferas já ocorriam desde séculos, alcançando grande destaque na história do cristianismo com o pensamento de Santo Tomás de Aquino, a famosa Teologia Escolástica.
De fato, com a emergência do mundo moderno, reduziu-se a dimensão da razão à prática científica, ao empirismo, denotando, assim, que “realidade” só poderia ser o palpável, o visto, ou seja, o que pode ser experimentado pelos nossos sentidos. Desde que assumiu o pontificado, Bento XVI oferece o outro “lado da moeda”, revisando tanto o conceito de “razão” quanto o de “realidade”. Para ele, o conceito de razão deve ser “alargado”, e o que se sucedeu com o movimento científico dos séculos passados foi uma “limitação autodecretada da razão aquilo que é verificável no experimento”. Pensando a razão dessa forma, o homem moderno isolou a “questão de Deus” e da religião para o nível ético e privado, ou como dizem alguns, tal questão tornou-se “papo de sacristia”. Isto significou que as questões sobre o Mistério, o Transcendente, ficaram renegadas ao âmbito individual, e ainda mais, fora dos limites da razão. O papa entende que o que impele o homem a se perguntar sobre o sentido último da coisas, o “para onde?”, o “de onde”, faz parte, indubitavelmente, da razão humana, que descontente com as respostas da ciência que não respondem a estas perguntas, se abrem para o Transcendente, para o Mistério, para Deus. Aqui, o papa parece ressoar seu antecessor, que diz: “o homem procura um absoluto que seja capaz de dar resposta e sentido a toda a sua pesquisa: algo de definitivo, que sirva de fundamento a tudo o mais. Em outras palavras, procura uma explicação definitiva, um valor supremo, para além do qual não existam, nem possam existir, ulteriores perguntas ou apelos”. (Encíclica Fides et Ratio, n. 27).
Essa procura incessante de sentido, que aponta necessariamente também para a procura da verdade, do bem e de seu conhecimento, é uma das mais características dimensões do homem. O que Bento XVI parece querer demonstrar, em várias de suas intervenções, é que essa dimensão humana deve ser protegida e mesmo estimulada. Como nos diz o próprio papa, “perdura no mais profundo da sua essência [do ser humano] uma derradeira abertura interior para a verdade, para o amor, para Deus.” (Encíclica Spe Salvi, n. 46). O que acontece quando deixamos de ver sentido em viver? Quando não somos capazes de enxergar a esperança a partir do sentido da vida? Deixamos de querer acordar, levantar, amar... Em suma: viver!
A situação preocupa, principalmente, porque presenciamos um mundo que nos diz o tempo todo que a verdade não existe, que valores como o bem e o mal, o certo e o errado não existem em si mesmos, mas são vistos somente como frutos do tempo, das culturas. São contingentes. Deus, como a imagem da onde emanava os sentidos do bem e do mal, como nos ensina o Gênesis (2, 17), não é aceito mais como fundamento da conduta e do viver. A mensagem transmitida por esse mundo é de que o que importa são os fins e não os meios. Se a finalidade é boa para mim, se aumentam as minhas possibilidades de prazer pessoal, ou de lucro econômico, então, os meios pelos quais a alcançarei não importam. Parafraseando o extraordinário escritor russo Fiódor Dostoievski (1821-1881), se Deus não existe, tudo é possível.
Bento XVI parece se preocupar profundamente com essa imagem distorcida das relações humanas, com esse “vale-tudo” moral. Nota-se que o relativismo ético avança em todos os âmbitos da vida e isso nos deixa, como cristãos, e por isso defensores do humanismo total (Paulo VI. Encíclica Populorum Progressio, n. 35), frente a frente com grandes desafios. Um deles é o da chamada pelo papa de “emergência educativa”. Como educar crianças e jovens em um mundo no qual os valores mais basais perdem sua significação? Como os pais, que também são perpassados pela flecha relativista, educarão seus filhos para a responsabilidade e liberdade?
Para Bento XVI, só com o “alargamento da razão”, ou seja, o entendimento da razão em toda a sua completa abertura às realidades imanentes e transcendentes, buscando conhecer as verdades do homem, poderemos acessar os significados mais profundos de que constituem o ser humano em toda a sua complexidade. O convite do papa é para que não deixemos de ser buscadores do Eterno.

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