Pensamento católico do século XX

Igreja e cultura: o que os pensadores católicos do século XX têm a nos dizer

“Inculturar o Evangelho e evangelizar a cultura, no alvorecer do III Milênio, de modo a superar a cisão entre fé e cultura, entre Evangelho e vida quotidiana, entre proclamação da Mensagem e indiferença ou o ateísmo prático de tantos homens e mulheres do nosso tempo, exigem, além dos ensinamentos do Magistério e dos Pastores, uma ação interna.” Eis as palavras desafiadoras do Cardeal Paul Poupard, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura da Santa Sé. Nas entrelinhas, o que as palavras do cardeal clamam é por uma presença mais palpável e marcante dos cristãos na sociedade atual, por um apostolado da cultura.

Na verdade, as exigências desse apostolado importante e necessário para esse início de milênio, marcado pelo indiferentismo e preguiça mental reinante, já foram lembradas incisivamente pelo Concílio Vaticano II em sua Constituição Pastoral Gaudium et Spes. A questão cultural coaduna-se necessariamente com a posição do homem no mundo, pois a cultura é fruto das relações entre ele e seus semelhantes a partir de uma vivência real. Assim, a constituição clama para que cada homem salve “a integridade de sua personalidade, na qual sobressaem os valores da inteligência, vontade, consciência e fraternidade, todos fundamentados em Deus Criador e que em Cristo foram sanados e elevados, de maneira admirável” (GS 401). Dessa forma, a humanização das relações entre os homens só é possível a partir do momento em que eles passem a buscar livremente quais são os pontos constitutivos de seu ser e, encontrados, possam ser compreendidos e aprofundados em sua vivência cotidiana.

De fato, a Igreja possui um rico patrimônio intelectual sobre as suas relações com a cultura que devem ser encaradas com atenção se ela deseja ter papel de destaque nessa dimensão social e na chamada “nova evangelização”. Tal patrimônio compreende-se de sua rica Doutrina Social e as várias obras dos autores católicos, principalmente do século XX, como sugerem os bispos no Documento de Aparecida. Contudo, quantos nomes importantes do pensamento católico deixaram de se fazer ouvir e ler e simplesmente foram relegados ao ostracismo por uma mentalidade calcada na idéia de que o “que-falaram-é-fruto-do-tempo-e-não-diz-nada-pra-hoje”? Como Jacques Maritain, G.K. Chesterton, George Bernanos, Amoroso Lima, Hamilton Nogueira, Felício dos Santos, João Camilo de Oliveira Torres, Gustavo Corção, Padre Júlio Maria, Padre Leonel Franca, Padre Álvaro Negromonte entre outros? Esses leigos e religiosos, apesar de suas diferenças no tom e convicções particulares, sempre tocavam em pontos nevrálgicos da precária situação humana, da cultura e da vida da Igreja através de seus escritos. E, se relidos e estudados ainda hoje trariam, com certeza, novos questionamentos sobre nossa posição enquanto ser humano e cristão.

Tomemos como exemplo um trecho marcante do famoso livro Le paysan de la garone, em que Maritain reflete sobre o Concílio Vaticano II: "O verdadeiro fogo novo, as descobertas autênticas que se produzirão na idade nova em que entramos, e pelas quais, nas perspectivas históricas abertas pelo Concílio, a consciência cristã há-de penetrar mais para a frente, e mais profundamente na verdade de que ela vive e na realidade evangélica, nada terão que ver com a solicitação de velhos desejos recalcados e de ambições confusas, feita pelos agentes de publicidade do Velho Mentiroso, nem com o seu aranzel pseudo-científico e pseudo-filosófico, nem com aquela santa parusia do Homem, em nome da qual reclamam um ajoelhamento cristão diante do mundo. O verdadeiro fogo novo, renovação essencial, será uma renovação interior."

O filósofo, ao pensar a situação do pós-concílio, nos diz que o que realmente precisamos para receber autenticamente os frutos do Vaticano II é uma renovação interior, poderíamos dizer uma conversão em vista de receber com o coração aberto autêntica e integralmente a mensagem cristã. Não, ao contrário, descambar para doutrinas ilusórias que visam diminuir ou mesmo mutilar partes de nossa fé em vista a torná-la mais palatável para o homem atual. Como nos disse João XXIII em seu discurso de abertura do Vaticano II, “é necessário primeiramente que a Igreja não se aparte do patrimônio sagrado da verdade, recebido dos seus maiores; mas ao mesmo tempo deve também olhar para o presente, para as novas condições de formas de vida do mundo moderno, que abriram novos caminhos ao apostolado católico”.

Assim sendo, será que as palavras de Maritain e outros tantos intelectuais católicos do século XX não podem nos alertar, dar pistas sobre a situação contemporânea do homem e da Igreja, incentivar novas formas de ação no meio? Penso que a resposta é afirmativa. Basta assumirmos essa tarefa de estudá-los e interpretá-los em vista dos nossos novos desafios culturais.

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