Re-utopizar será a resposta?

BinningMadjanek05z

No jornal O Lutador

Frente ao drama da fragmentação dos significados e no aprofundamento das subjetividades, quase se esbarrando no estabelecimento de “ditaduras individuais”, muitos se questionam se não é preciso reutopizar o mundo para que ele saia da crise ética que está instalado. A viuvez do muro de Berlim ressoa a dramaticidade do homem em sua busca irrefreável de sentidos totalizantes. Este atual cenário espiritual é marcado pela dita pós-modernidade. Uma de suas características básicas é a queda das metanarrativas. Isto é, grandes discursos de significação nos quais englobariam grandes massas e grandes espaços geográficos.

Podemos dizer que o século XX foi um tempo privilegiado da experiência do absurdo e da banalidade do mal. Ao perguntarmos quem foram aqueles que levaram milhões de pessoas às valas comuns, a resposta poderia ser: nós mesmos. A imaginação do homem, alimentada por utopias e sonhos de felicidade eterna, esmagou a si mesmo e o levou a horrores jamais vistos. Nunca, na história humana, fomos capazes de matar tanto e “melhor”. A “revolução científica”, fruto de um longo processo, e que havia sido pensada e idealizada por seus fautores como um instrumento de avanço, progresso, evolução, foi levada a um grau inimaginável naquele momento, ao ser utilizada para a construção de armamentos mais letais e de estratégias genocidas.

Embalados pelas utopias românticas, muitos se deixaram levar pelo canto do progresso e seu otimismo reluzente e cheio de promessas, mas, que no final das contas, demonstrou-nos uma de suas faces mais sombrias com a ascensão e queda do Terceiro Reich. A centelha do romantismo, como nos diz Elias Thomé Saliba (As utopias românticas. São Paulo: Edição Liberdade, 2003), de onde surgiram os elementos que iriam caracterizar o imaginário da revolução, acendeu-se na época da Revolução Francesa (1789) e foi marcada, especialmente, pela ideia da possibilidade de uma mudança radical na história e seus rumos. Suas “correntes, ideologias e projetos alimentaram-se – como sonho ou pesadelo, como esperança ou medo – de uma ruptura e de uma quebra sem precedentes com o passado”. Defendendo fervorosamente, e até mesmo religiosamente, a noção de que poderiam libertar-se das estruturas do passado e construir, finalmente, um tempo no qual todos os seus ideais de felicidade, bondade, e perfectibilidade – por sinal, existe um belo livro sobre o tema: John Passmore. A perfectibilidade humana. Rio de janeiro: Topbooks, s/d – construíram, sem sombra de dúvida, o que poderíamos chamar de “mística da revolução”. Tal mística constituía-se baseada numa das idéias principais de Jean-Jacques Rousseau, a do “bom selvagem” ou “estado de natureza”. Esta idéia advoga que o homem é bom por natureza e que a sociedade é que o corrompe. O que Rousseau faz é instaurar um novo dualismo na compreensão do homem. O dualismo antigo, baseado na teologia cristã, inseria o conflito entre o bem e o mal na alma dos homens, que desde o pecado original exigia do homem a humildade. O desenvolvido por Rousseau transferia esse conflito do indivíduo para a sociedade. O erro e o mal eram frutos das instituições. O que precisaríamos fazer, então, para construirmos a tão esperada e sonhada sociedade livre das aflições humanas, era despender todas as forças em derrubar toda a ordem instaurada e recomeçar a história. Podemos dizer que as ideologias modernas, o nacional-socialismo e o comunismo, acharam aí, no romantismo utópico do século XVIII e XIX, embebido de rousseaunismo, alguns de seus pressupostos. Ambos os regimes partiam de um passado mítico como modelo ideal para lançarem-se na busca de um futuro imaginário. Ao subverterem a idéia de “bem”, lançaram-se na procura de construir o super-homem. O nacional-socialismo levou à cabo a obra draconiana de tentar erigi-lo. O estado socialista de democratizá-lo. Tais intenções “humanitárias” levaram, somados e contando todos os regimes que se instalaram no mundo sob tal égide, por volta de 130 milhões de mortos (100 milhões apenas os regimes socialistas). Como sabemos, o significado de utopia remete à imaginação. O interessante é que a palavra presunção foi utilizada em inglês antigo – conceit – como sinônimo de imaginação. Estaria aí nosso equívoco ao tentar reacender uma predisposição na qual resultou na sangrenta história do século XX?

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