Livro reflete trajetória do Cardeal Kasper

Publicado no Jornal O Lutador

Walter Kasper é atualmente um dos mais importantes cardeais da Igreja católica, presidindo o importante Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Contemporâneo dos também alemães Joseph Ratzinger e Karl Lehmann, Walter Kasper realizou seus estudos em filosofia na cidade de Tubinga e Mônaco, concluindo-o em 1956. Em 1957 foi ordenado na diocese de Rottenburg. Em 1961 concluiu sua tese de doutorado, passando a ser assistente de Leo Scheffczyk e Hans Küng. Lecionou nas universidades de Münster, que também presidiu, e de Eberhard-Karls-Universität die Tubinga. Em 1985 foi nomeado secretário especial do Sínodo extraordinário, tornando-se também membro da Comissão Teológica Internacional. Foi sagrado bispo da diocese de Rottenburg (Stuttgart) em 1989. Em 1994 foi nomeado co-presidente da Comissão Internacional para o Diálogo Luterano-Católico e em março de 1999 secretário do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, sendo elevado a cardeal em 2001 por João Paulo II. Visando refletir os passos desse importante membro da Cúria Romana, foi publicado em 2009, na Itália, um livro sobre sua vida e obra. Da Alemanha de Hitler, ao pós-concílio e suas irresolutas questões nesse início de milênio, a obra traz um panorama rico e cheio de interessantes nuances sobre o catolicismo contemporâneo. Escrito em forma de diálogo, o texto traz muitas informações relevantes para aqueles que visam compreender a história da Igreja na segunda metade do século XX e a conjuntura vaticana atual. De sua primeira formação, Kasper relembra seus passos na Alemanha da Segunda Grande Guerra e dos anos posteriores ao seu encerramento. Da fase de seus estudos em Tubinga, o cardeal rememora as influências sofridas das leituras de Johann Adam Mohler – maior expoente dessa universidade e “pioneiro da teologia ecumênica contemporânea” (p. 30) –, teólogo que contribui profundamente na renovação da consciência eclesial, que tirará seus frutos maduros somente no Vaticano II. Além de Mohler, John Henry Newman – que também foi influenciado por aquele teólogo – também o influenciará com o seu L’Apologia pro vita sua.

Segundo Kasper, os textos que o haviam influenciado, por volta do final dos anos 1950 eram os “Escritos” de Karl Rahner, a teologia do laicato de Yves Congar e o pensamento de Henri de Lubac. De acordo com suas próprias palavras, estes três teólogos tiveram um “efeito de ruptura” em sua formação. Em 1962, logo finalizado seu doutorado em Dogmática, tornou-se assistente em Tubinga de Leo Scheffczyk e de Hans Küng e nos anos posteriores escreveu seu trabalho de livre-docência intitulado “O absoluto na história” sobre o pensamento de Schelling. Nele, Kasper demonstrava sua visão sobre o subjetivismo moderno, não enxergando simplesmente a modernidade apenas como uma revolta prometéica do sujeito contra a ordem de Deus, visão comum dos círculos embebidos de ultramontanismo. Um dos momentos mais interessantes do livro é a que reflete sobre o Vaticano II. Kasper comenta sobre o papel de Paulo VI, a crise e a renovação, as revistas Concilium e Communio, o ano de 1968, a encíclica Humanae vitae. Para o cardeal, a crise pela qual a Igreja romana passa não vem do concílio propriamente dito, mas já demonstrava seus sinais mesmo antes de sua realização e afirma sua tese interpretativa – exposta em um dos capítulos de seu eloqüente livro Teologia e Igreja – na qual é “completamente errôneo ver o concílio como uma ruptura com a tradição precedente, sobretudo com aquela do Concílio Vaticano I” (p. 51).

É falando sobre o ecumenismo que o cardeal se mostra mais a vontade e demonstra suas reais preocupações com a Igreja e suas relações com as outras tradições religiosas. Segundo ele, logo depois da eleição de Ratzinger à cátedra de Pedro, o novo papa assumiu sua preocupação de manter a causa ecumênica viva e levar a frente às preocupações dos padres do Vaticano II. Ao pensar a questão do primado papal em relação ao ecumenismo, Kasper afirma que é “graças ao ecumenismo a situação do ministério petrino mudou para melhor” (p. 126). Para ele, nunca na história da Igreja, e nem mesmo aquela antiga, o bispo de Roma foi um ponto de referência tão importante para todas as Igrejas como hoje. Nunca, continua, o ministério de Pedro gozou de uma autoridade espiritual tão grande, mesmo entre os outros cristãos, como acontece hoje.

Kasper afirma que o diálogo ecumênico não deve se limitar a um mínimo denominador comum, o que seria um empobrecimento de todas as partes. Para o cardeal, o ecumenismo “deve se basear sobre uma comum confissão de fé, que confessem reciprocamente a própria fé e queira trabalhar no diálogo por um consenso futuro na confissão da fé” (p. 172). Arremata: “quanto mais se é católico, tanto mais se é ecumênico, mas também: quanto mais se é ecumênico, tanto mais se é católico” (p. 173). Interessantíssimo livro para quem deseja se aprofundar na dinâmica curial e nas questões ecumênicas.

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KASPER, Walter; DECKERS, Daniel. Al cuore della fede: le tappe di una vita. Torino: San Paolo, 2009.

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