O grande silêncio que fala


Publicado no jornal O Lutador

Estar no abandono do magnum silentio. Essa expressão, contida num folheto das orações das Completas – trecho do livro Liturgia del silenzio, de Anna Maria Canopi – , no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro chamou-me atenção. Primeiramente, não é muito comum estarmos propensos a visitar um mosteiro, e permanecer nele alguns dias, abandonados no grande silêncio – somente movimentados pelo ritmo dos sinos que nos chamam ao Ofício Divino – a fim de ouvir a voz do Eterno. Em verdade, no mundo de hoje, não estamos predispostos a cerrar nossos lábios nem por um segundo. Parece que, ou falamos o tempo inteiro – inclusive com nós mesmos –, reafirmando nossas opiniões e idéias sobre lá o que seja, ou estamos fadados ao fracasso – ou o pressentimos – daqueles que acreditam que só emitindo palavras sem fim e levantando bandeiras de todas as cores podem ser ouvidos. Perpassados pela pressa e o burburinho alucinante das grandes cidades, somos cotidianamente alvos de uma poluição sonora que não só inunda e cansa nossos ouvidos, mas também não deixa espaço para ouvirmos a voz que vem de nosso interior.
Esses dias no mosteiro – marcados por trabalho profissional, mas também espiritual –, aprofundou-se em mim as questões acerca do Deus absconditus, da importância do silêncio e da solidão para sermos receptáculos do som divino. Afirmou-se a verdade de que se pode ouvir o silêncio. De que o silêncio fala sem palavras. De que, ao nos colocar na posição de escuta, temos a chance de experimentar a “volta ao abismo de pura realidade na qual está baseada nossa própria realidade e na qual existimos”, como dizia Thomas Merton, um dos grandes nomes do monasticismo cristão do século XX. Como o próprio monge trapista ensina em seu belo livro Espiritualidade, contemplação, paz (traduzido pelas monjas do Mosteiro Nossa Senhora das Graças, de Belo Horizonte, e editado pela Itatiaia), a Queda, um dos dogmas centrais da fé cristã, levou-nos a um exílio de Deus e de nós mesmos. Nós, homens dos burburinhos, incansáveis na arte do falatório cheio de palavras vazias, caímos ao acreditarmos que poderíamos encontrar a felicidade fora de nós mesmos. Quantos são aqueles que hoje – num mundo cheio de soluções fáceis, que vez por outra, em uma literatura barata que se denomina de “auto-ajuda”, proclama que basta emanar energias positivas para o universo para que ele conspire a seu favor – sonham e idealizam uma vida feliz e “completa” numa praia paradisíaca, ou neste ou naquele país? Ou a felicidade “plena”, quando tiverem aquele carro x, aquela casa y, casar com “fulano de tal” ou mesmo se “refugiar” num mosteiro?
De fato, o que presenciamos nesse mundo marcado pelo marketing da alegria fácil, da resposta completa e imediata apresentadas por gurus do momento para minhas questões, da solução para todos os meus problemas agora, da utopia pessoal, da elevação do bem-estar a qualquer custo, da maximização do prazer e a minimização, custe o que custar, de qualquer tipo de sofrimento pessoal, é um homem desnorteado que, como um cachorro que corre atrás do próprio rabo, foge de si mesmo acreditando que com isso encontrará a paz que tanto anseia. Pergunto-me até que ponto o homem moderno, aquele que acreditou na ciência, no progresso, na história ou na revolução, “reedita” nosso lugar de decaídos ao afirmar uma felicidade que está logo ali, basta ter dinheiro – como diz por aí certa “ética burguesa”, “dinheiro não traz felicidade, mas compra” – para poder acessá-la e capacidade emocional para usufruí-la.
Entendo a religião, especialmente o cristianismo, como uma experiência religiosa que pode hoje, a partir de seu repertório teológico, especialmente aquele que vem dos padres da Igreja e da experiência dos monges do deserto – que viveram a solidão e o silêncio radicalmente frente a um cristianismo em expansão que passava a se coadunar com o poder imperial romano – fornecer-nos um manancial no qual nasça uma nova crítica em relação a esse mundo de felicidade em pílulas, anunciada a torto e a direito por oportunistas de plantão, que bem sabem aonde o calo aperta. E que por isso ganham fortunas. Tornarmo-nos “ao abismo de pura realidade”, ao silêncio que tudo diz. Render-se e abandonar-se a “uma Realidade completamente escondida, invisível e mesmo, em certo sentido, desconhecida”. Eis uma possibilidade crítica a esse mundo cheio de respostas, de visibilidade, de aparências, de “conhecimento”, que nada respondem, mas sim, afasta-nos de nós mesmos ao nos prometer o inalcançável.
Para uma compreensão sobre o silêncio e a vida monástica veja o belíssimo filme “O grande silêncio” (‘Die grosse Stille’) , de Philip Gröning.

Comissão Ecclesia Dei volta a responder questionamentos sobre a aplicação do Motu Proprio Summorum Pontificum

Apotegmas do cristianismo oriental


Alguns trechos da Filocalia que me chamaram atenção

"Bem-aventurado aquele que, na oração, chegou ao não-saber, que é impossível ultrapassar"

"Quando o demônio ciumento fracassa na excitação da memória durante a oração, age sobre a compleição do corpo, para despertar na inteligência algum fantasma desconhecido e, assim, dar-lhe forma. A inteligência, acostumada a limitar-se a conceitos, é então facilmente subjugada; aquela que tendia à gnose imaterial e sem forma, deixa-se iludir e pensa que a fumaça é luz".

"Perguntaram ao abade Macário: 'Como se deve orar?' O ancião respondeu: 'Não há nenhuma necessidade de se perder em palavras; basta estender as mãos e dizer: Senhor, como quiserdes e como souberdes, tende piedade'."

"É próprio da sabedoria verdadeiramente espiritual, o cortar, sem cessar, as asas do nosso desejo de ver"

"A Escritura diz: 'o inferno e a perdição estão abertos diante do Senhor' (Pr 15,11). Ela quer dizer a ignorância e o esquecimento do coração. O inferno é a ignorância; a perdição, o esquecimento. Estão escondidas, ambas, porque desapareceram do ser".

Mais apotegmas aqui.

138, entre cardeais e bispos, celebraram em rito antigo

Do blog de Andrea Tornielli

O site espanhol de Una Voce Malaga , relançado na ocasião no blog Messa in latino, redigiu um pontual elenco com os nomes – divididos por países – dos cardeais e dos bispos que celebraram ou assistiram a forma “extraordinária” da missa segundo o missal romano antigo (ou, de qualquer forma, das Vésperas solenes segundo a antiga forma) depois da liberação de Bento XVI com o moto proprio Summorum Pontificum. Estes são os dados: Alemanha 3, Argentina 3, Austrália 6, Bégica 1, Brasil 4, Canadá 6, Chile 2, China 1, Colômbia 1, Dinamarca 1, Filipinas 3, França 17, Gabão 2, Itália 15, Irlanda 2, Casaquistão 1, Liechtenstein 1, Mônaco 1, Nigéria 2, Nova Zelândia 1, polônia 7, Reino Unido 9, República Tcheca 1, Espanha 4, Sri Lanka 1, Suíça 2, Hungria 2, EUA 33. Dos 138, 20 são cardeais, 4 espanhóis, 4 americanos e 4 italianos (Antonelli, Piovanelli, Poggi e Scola). Os bispos italianos são 11. Olhando para esse resultado se poderia dizer que é ainda muito pouco. Mas acredito que o olhar mais justo seja aquele de longo período: começou – não obstante a dificuldade, as tensões, as recusas também clamorosas, as polêmicas midiáticas, a rigidez e as reivindicações – um processo positivo, na linha desejada por Bento XVI, aquela da reconciliação e do enriquecimento recíproco entre fiéis que seguem a missa nas duas formas agora previstas do Rito romano. É um sinal, ainda pequeno mas encorajador, dos fruto que estão trazendo o modo de governar o papa Bento: aquele do exemplo, dos pequenos passos, da “reforma” que, para tal, devem partir também de baixo e não podem vir apenas imposta do alto.