Aborto e anencéfalos

Muitos que defendem o aborto, a partir da discussão que se desenrola no STF sobre o aborto de anencéfalos (sem atividade cerebral, por isso "legalmente" mortos) nos dizem que o feto normalmente constituído em sua fase embrionária também não tem atividade neural, dessa forma, concluem falaciosamente, que também podem ser abortados. Esses indivíduos usam todas as táticas para ver o aborto, em sentido amplo, legalizado no Brasil. Vejam esse pequeno, mas lúcido artigo sobre a questão.

Aborto, "católicas pelo direito..." e Edir Macedo

O ABORTO E A TEOLOGIA ACHADA NA SARJETA
Post de Reinaldo Azevedo em seu blog

Abaixo, no post das 4h55, há a notícia de que Marco Aurélio de Mello, ministro do Supremo, promoveu a primeira audiência pública sobre o aborto de fetos anencéfalos. Já apanhei bastante, inclusive de fãs do blog, por causa da minha opinião a respeito. É do jogo. Tenho leitores altivos, donos do seu nariz. Nem sempre seguem “o mestre”, como me chamam em tom irônico os adversários do blog — para me esculhambar, claro. Fosse eu outro, iria perscrutando as opiniões da maioria para, então, liderá-la. Sou quem sou. Se tiver de ficar sozinho, lá vou eu para o deserto. Mas, claro, há muitos que concordam comigo. E, desta feita, não vou nem entrar no mérito da questão.
Fiquei, com efeito, encantado com alguns representantes ditos “religiosos” na audiência pública. Dois, em particular, ofendem a inteligência, havendo uma, de pessoas favoráveis ou contrárias ao aborto de anencéfalos. No caso, falaram a favor.
Comecemos pelas tais “Católicas pelo Direito de Decidir”. Estarem estas senhoras representadas numa audiência pública é um ofensa à lógica e à religião. Ofende a lógica porque elas são militantes pró-aborto sem qualquer locução adjetiva. As ditas católicas não são favoráveis ao aborto de anéncéfalos apenas. Não! Elas são favoráveis ao aborto, qualquer um. De fetos com cérebro também. Para elas, um miolinho a mais, um a menos, tanto faz. Que lógica explica o convite? Não falam em nome dos católicos. Falam em nome de sua entidade.
Mas ofendem também a religião. Como podem se dizer católicas se renegam um princípio básico da religião? Quem as reconhece nessa condição? A ser assim, vamos fundar o “Islamismo pelo Direito de Decidir”. Ou o “Judaísmo pelo Direito de Decidir”. Ou o “Hinduísmo pelo Direito de Decidir”. Basta que a gente se diga pertencente a tal religião, e teremos, então, o status de uma dissidência. Mas “decidir” o quê? Ah, sei lá: no caso do hinduísmo, por exemplo, poderia ser “Pelo Direito de Decidir Consumir Carne de Vaca”. E militaríamos pelo direito de comer carne de porco em todas elas...
Ora, falta a essas senhores um mínimo, pequenino mesmo, senso de decoro. Por que não criam a sua ONG pró-aborto, tenha ela o nome que tiver, e não param de usurpar o nome do catolicismo para defender uma prática renegada por essa Igreja? Aliás, já passou da hora de a hierarquia católica brasileira declarar a excomunhão dessas senhoras — porque se auto-excomungaram. É um procedimento da religião que elas abraçaram. Ou sigam os preceitos ou caia fora. Felizmente, existe o direito de decidir não ser católico.
Igreja Universal do Reino de Deus
Quanto a Igreja Universal do Reino de Deus, dizer o quê? Vejam o trecho que cita o pastor para dizer que a Bíblia admite o aborto: “Se o homem gerar cem filhos, e viver muitos anos, e os dias dos seus anos forem muitos, e se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é melhor do que ele".
Trata-se de uma referência estúpida, bucéfala, ignorante, rasteira ao Eclesiastes (6,3). É o que dá ouvir, na condição de “religião”, uma teologia mais jovem do que o uísque que eu bebo. Afirmar que há, no trecho, endosso ao aborto é pura delinqüência teológica e bíblica. O aborto é empregado apenas como um extremo da fealdade. Não há endosso. É o exato oposto. E de onde o pastor tirou essa pérola de interpretação? Das iluminações de autoproclamado "bispo" Edir Macedo, dono da seita.

Reproduzo, abaixo, trecho de um post que escrevi sobre este senhor no dia 13 de outubro de 2007:
*
Há uma entrevista na Folha com Edir Macedo (...). Quem assina o texto é Daniel Castro, e quem responde pode ser uma “legião", já que foi feita por e-mail e intermediada pela cúpula, digamos assim, religiosa da seita. Há alguns dias, postei aqui um texto dizendo que o petismo é a Universal da política, e a Universal, o petismo da religião. Quem me dá razão é Macedo. Leiam uma pergunta e uma resposta:

FOLHA - Alguns políticos então da base da Igreja Universal, como o bispo Rodrigues, foram atingidos em cheio pelos escândalos do primeiro mandato de Lula. A corrupção não é um pecado imperdoável?
MACEDO - Jesus ensina que o único pecado imperdoável é a blasfêmia contra o Espírito Santo. Para os demais, há perdão se houver arrependimento.

É a “igreja” de que o PT precisa. Se Deus censura a safadeza, os petistas podem ficar tranqüilos: o "deus" de Macedo perdoa. A sua “teologia” é bastante elástica pra isso. Tão elástica, que ele encontra uma justificativa teológica para o aborto. Se havia desconfianças sobre a filiação da tal Universal ao cristianismo, não há mais. Leiam:
“Sou favorável à descriminalização do aborto por muitas razões. Porém, aí vão algumas das mais importantes:
1) Muitas mulheres têm perdido a vida em clínicas de fundo de quintal. Se o aborto fosse legalizado, elas não correriam risco de morte;
2) O que é menos doloroso: aborto ou ter crianças vivendo como camundongos nos lixões de nossas cidades, sem infância, sem saúde, sem escola, sem alimentação e sem qualquer perspectiva de um futuro melhor? E o que dizer das comissionadas pelos traficantes de drogas?
3) A quem interessa uma multidão de crianças sem pais, sem amor e sem ninguém?
4) O que os que são contra o aborto têm feito pelas crianças abandonadas?
5) Por que a resistência ao planejamento familiar? Acredito, sim, que o aborto diminuiria em muito a violência no Brasil, haja vista não haver uma política séria voltada para a criançada.”
Trata-se de uma formidável coleção de asneiras, talvez ditadas pelo diabo. Se Macedo acredita até mesmo na remissão do corrupto, por que não na das crianças que vivem nos lixões? Se opta pelo aborto como saída menos dolorosa, por que não por outras práticas igualmente homicidas que trariam mais controle social? A Igreja Católica é contra o aborto e conta com milhares de entidades espalhadas mundo afora para cuidar de crianças abandonadas. E o que Macedo tem feito? Se o aborto diminuiria em muito a violência no Brasil, há de se supor que diminuiria também em muito o número de seus fiéis, não é mesmo?, já que é evidente que boa parte da força de sua “igreja” se concentra entre os miseráveis. Existe também lixão religioso no mundo.
Santo Edir Macedo! Seu "deus" perdoa corruptos, mas não perdoa os fetos!
Se for para ouvir esse tipo de formação "teológica", o Supremo poderia economizar tempo e dinheiro. Já sabemos qual será a decisão. O resto é só carnificina — também teórica.

Pondé na Folha de S. Paulo


Luiz Felipe Pondé passa, a partir de hoje, a escrever na Ilustrada. Pondé entra no lugar do poeta e crítico Nelson Ascher. Ainda bem que a Folha teve a perspicácia de não deixar o nível cair nas colunas da segunda. Professor da Pós-Graduação em Ciências das Religiões na PUC-SP, Pondé se destaca pela sua quebra de unanimidades intelectuais. Crítico das utopias românticas e da modernidade como "projeto de perfeição", o filósofo vai na contramão do discurso uníssono que caracteriza o ambiente universitário, principalmente aquele em torno das "humanidades". Vale a pena conferí-lo às segundas. Leia um trecho do seu primeiro texto:

"Quem tem medo do macaco?

QUEM TEM medo de Darwin? A religião, dirão os mais apressados. E com razão, se pensarmos na obsessão do debate Deus versus Dawkins.
A verdade é que na universidade esse problema é menor e esconde uma briga muito mais feroz. A briga com a teologia é menos significativa por duas razões básicas. A primeira razão é que o darwinismo é materialista como as ciências "duras" enquanto a teologia não é, e por isso ela toma de dez a zero.
A segunda razão é que a teologia é a louca da casa (vive de favor na universidade, não é ciência nem filosofia), relegada ao lugar de vender Jesus como um bom parceiro em lutas sociais ou um bom amigo quando você está deprimido, por culpa dos próprios teólogos que barateiam Deus. Com exceção da medicina, nenhuma "ciência" deveria se comprometer com a felicidade porque ela sempre fica boba quando faz isso. Explico-me: ou a teologia rompe com a "felicidade" ou ela será sempre ridícula.
A briga séria é entre o darwinismo e as teorias que negam qualquer influência biológica definitiva no comportamento humano. Existe um pânico contra a psicologia evolucionista e o macaco no homem e a macaca na mulher. E como a universidade funciona em lobbies, com perseguições e inquisições, facilmente você pode calar alguém se ele ou ela não concordar com você. A universidade é um dos lugares menos democráticos do planeta.
Essas teorias que temem o macaco afirmam que tudo no humano é socialmente construído. Obviamente essas teorias acham que salvarão o mundo, construindo seres humanos livres de seus instintos indesejáveis. Dizem elas: dê uma boneca cor de rosa pra meninos e eles crescerão pensando que são Cinderela. Se a boneca for um bebê, o menino terá desejos de amamentar bebês. Se ensinarmos as meninas a bater nos outros, elas serão como Clint Eastwood [...]"

Pensamento católico do século XX

Igreja e cultura: o que os pensadores católicos do século XX têm a nos dizer

“Inculturar o Evangelho e evangelizar a cultura, no alvorecer do III Milênio, de modo a superar a cisão entre fé e cultura, entre Evangelho e vida quotidiana, entre proclamação da Mensagem e indiferença ou o ateísmo prático de tantos homens e mulheres do nosso tempo, exigem, além dos ensinamentos do Magistério e dos Pastores, uma ação interna.” Eis as palavras desafiadoras do Cardeal Paul Poupard, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura da Santa Sé. Nas entrelinhas, o que as palavras do cardeal clamam é por uma presença mais palpável e marcante dos cristãos na sociedade atual, por um apostolado da cultura.

Na verdade, as exigências desse apostolado importante e necessário para esse início de milênio, marcado pelo indiferentismo e preguiça mental reinante, já foram lembradas incisivamente pelo Concílio Vaticano II em sua Constituição Pastoral Gaudium et Spes. A questão cultural coaduna-se necessariamente com a posição do homem no mundo, pois a cultura é fruto das relações entre ele e seus semelhantes a partir de uma vivência real. Assim, a constituição clama para que cada homem salve “a integridade de sua personalidade, na qual sobressaem os valores da inteligência, vontade, consciência e fraternidade, todos fundamentados em Deus Criador e que em Cristo foram sanados e elevados, de maneira admirável” (GS 401). Dessa forma, a humanização das relações entre os homens só é possível a partir do momento em que eles passem a buscar livremente quais são os pontos constitutivos de seu ser e, encontrados, possam ser compreendidos e aprofundados em sua vivência cotidiana.

De fato, a Igreja possui um rico patrimônio intelectual sobre as suas relações com a cultura que devem ser encaradas com atenção se ela deseja ter papel de destaque nessa dimensão social e na chamada “nova evangelização”. Tal patrimônio compreende-se de sua rica Doutrina Social e as várias obras dos autores católicos, principalmente do século XX, como sugerem os bispos no Documento de Aparecida. Contudo, quantos nomes importantes do pensamento católico deixaram de se fazer ouvir e ler e simplesmente foram relegados ao ostracismo por uma mentalidade calcada na idéia de que o “que-falaram-é-fruto-do-tempo-e-não-diz-nada-pra-hoje”? Como Jacques Maritain, G.K. Chesterton, George Bernanos, Amoroso Lima, Hamilton Nogueira, Felício dos Santos, João Camilo de Oliveira Torres, Gustavo Corção, Padre Júlio Maria, Padre Leonel Franca, Padre Álvaro Negromonte entre outros? Esses leigos e religiosos, apesar de suas diferenças no tom e convicções particulares, sempre tocavam em pontos nevrálgicos da precária situação humana, da cultura e da vida da Igreja através de seus escritos. E, se relidos e estudados ainda hoje trariam, com certeza, novos questionamentos sobre nossa posição enquanto ser humano e cristão.

Tomemos como exemplo um trecho marcante do famoso livro Le paysan de la garone, em que Maritain reflete sobre o Concílio Vaticano II: "O verdadeiro fogo novo, as descobertas autênticas que se produzirão na idade nova em que entramos, e pelas quais, nas perspectivas históricas abertas pelo Concílio, a consciência cristã há-de penetrar mais para a frente, e mais profundamente na verdade de que ela vive e na realidade evangélica, nada terão que ver com a solicitação de velhos desejos recalcados e de ambições confusas, feita pelos agentes de publicidade do Velho Mentiroso, nem com o seu aranzel pseudo-científico e pseudo-filosófico, nem com aquela santa parusia do Homem, em nome da qual reclamam um ajoelhamento cristão diante do mundo. O verdadeiro fogo novo, renovação essencial, será uma renovação interior."

O filósofo, ao pensar a situação do pós-concílio, nos diz que o que realmente precisamos para receber autenticamente os frutos do Vaticano II é uma renovação interior, poderíamos dizer uma conversão em vista de receber com o coração aberto autêntica e integralmente a mensagem cristã. Não, ao contrário, descambar para doutrinas ilusórias que visam diminuir ou mesmo mutilar partes de nossa fé em vista a torná-la mais palatável para o homem atual. Como nos disse João XXIII em seu discurso de abertura do Vaticano II, “é necessário primeiramente que a Igreja não se aparte do patrimônio sagrado da verdade, recebido dos seus maiores; mas ao mesmo tempo deve também olhar para o presente, para as novas condições de formas de vida do mundo moderno, que abriram novos caminhos ao apostolado católico”.

Assim sendo, será que as palavras de Maritain e outros tantos intelectuais católicos do século XX não podem nos alertar, dar pistas sobre a situação contemporânea do homem e da Igreja, incentivar novas formas de ação no meio? Penso que a resposta é afirmativa. Basta assumirmos essa tarefa de estudá-los e interpretá-los em vista dos nossos novos desafios culturais.

O que nos mata é a indiferença


Como se morre de velhice

Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.

Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.

De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.

(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença)

Dossiê Liturgia by Andrea Tornielli

Estudo interessante do vaticanista Andre Tornielli sobre a questão litúrgica, especialmente o lugar do latim. Em tempos de Summorum Pontificum é bom se informar corretamente sobre a história da reforma litúrgica de Paulo VI.

Eis o resumo do texto:

"A substituição do latim pelo vernáculo na liturgia da Igreja católica foi considerada por muitosuma medida infeliz e saudada por outros como um “aggiornamento” necessário para favorecer a participação do povo. Todavia, não foi uma decisão do Concílio Ecumênico Vaticano II. O latim ainda é a língua oficial da Igreja, ou pelo menos foi durante dezoito séculos. Cinco anos depois do Concílio, não havia mais sinal dele nos livros litúrgicos católicos. A eliminação total da língua dos antigos romanos aconteceu quase à surdina e em alguns casos contra a vontade do Papa Paulo VI, o qual estabeleceu que ela deveria permanecer ao lado do vernáculo no missal. Esta é a história da reforma e dos protagonistas de um período que marcou profundamente a vida da Igreja."

Nos meandros hermenêuticos de Ken Serbin

O iHu online de hoje traz uma entrevista de Kenneth Serbin, historiador da Igreja no Brasil e que acaba de lançar pela Companhia das Letras o livro Padres, celibato e conflitos sociais. Uma história da Igreja católica no Brasil.
Serbin é, poderíamos dizer, um "brasilianista". Com seu belo livro Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura, deixou límpido o caminho para quem deseja se embrenhar nesse campo movediço. Em sua entrevista, ao refletir sobre a mudança de perfil dos seminaristas de 1960 até hoje, Serbin conclui que aqueles que se formavam naquele período eram marcados pela "Igreja da libertação" e que os atuais, principalmente de 1990 para cá, são mais conservadores, estilo Marcelo Rossi. Sobre a dita "opção pelos pobres", Serbin infere que, hoje ainda, padres e bispos estão em favor dessa opção, "mas ela não é mais hegemônica como nas décadas anteriores. No passado, todos os bispos achavam importante reconhecer tal opção, e permitiam que os padres agissem nessa linha." Segundo o "brasilianista", "a Igreja do Concílio Vaticano II era mais solidária com as questões sociais e deixava de lado a espiritualidade tradicional, focando a salvação das pessoas na terra. Mas os jovens dos anos 1990 e 2000 não visam mais essa posição. Percebo, assim, uma nova preocupação com o “além desta vida”. Essa geração mais recente está recuperando aspectos do catolicismo que foram deixados de lado e ignorados pelos seminaristas dos anos 60." É aí que a porca torce o rabo: o Vaticano II. Os usos e abusos do Vaticano II. Que Igreja é essa que Serbin faz referência? O historiador fala como se a "Igreja do Vaticano II" fosse passado e utiliza-se de um tipo ideal que atualmente não cola mais. Ao afirmar que a "Igreja do Vaticano II" (não sei o que quer dizer com isso, mas vamos em frente) "deixava de lado a espiritualidade tradicional, focando a salvação das pessoas na terra", derrapa nas curvas hermenêuticas do concílio e, desculpem-me a sinceridade, falta com a verdade. Da onde saiu essa idéia de que a Igreja do importante Concílio Vaticano II focou a "salvação das pessoas na terra"? O concílio permitiu sim um novo olhar frente às realidades terrestres, mas diga aonde posso encontrar em seus documentos isso que Serbin afirma? Desde quando a Igreja, Corpo místico de Cristo, prenúncio da salvação eterna, deixou de olhar o céu como seu último objetivo? Penso que Serbin se equivocou. Ele não queria dizer a "Igreja do Concílio Vaticano II", mas sim "os seminaristas e padres brasileiros dos anos 1960 eram mais solidários com as questões sociais etc". Ficaria melhor, não?

Do concílio à Medellín


Aos quarenta anos da Conferência de Medellín, defendida por muitos historiadores e teólogos como o momento no qual a Igreja latino-americana fez sua "recepção" do Concílio Vaticano II no continente, Silvia Scatena, historiadora do Istituto per le Scienze Religiose di Bologna lança um livro sobre o tema (SCATENA, Silvia. In populo pauperum. La Chiesa latinoamericana dal Concilio a Medellín. (1962-1968). Bologna: Il Mulino, 2008, 545 pgs. Uma entrevista concedida pela estudiosa em maio deste ano pode ser lida aqui.

Johann Pachelbel

Umas das músicas mais belas de todos os tempos:
Canon in D

Emendas de Paulo VI no De Oecumenismo

No final do penúltimo período conciliar (1964), além da nota praevia, Paulo VI tomou também outras medidas: deu o título de "Mãe de Igreja" à Maria, postergou a votação do esquema sobre a liberdade religiosa para 1965 e emanou algumas emendas ao esquema De Oecumenismo que geraria no final do período o famoso documento Unitates Redintegratio. Tudo isso num espaço de uma semana. Tal semana foi apelidada pelos padres liberais holandeses como "semana negra" (bem politicamente incorreto para os dias atuais, não?)

Tudo já estava pronto para a votação quando em 19 de novembro o secretário do concílio, Pericles Felici, as leu para a surpresa de todos. Ei-las:


“No n. 1 se dizia que ‘os discípulos do Senhor têm pareceres diferentes’; agora se diz: ‘Todos na verdade se professam discípulos do Senhor e têm’

No mesmo n. 1, alínea 2, se dizia: ‘Todos, porém...aspiram a uma Igreja’; agora se diz: ‘Quase todos...’

No fim da terceira alínea do n. 3 se dizia: ‘Tudo isso, que de Cristo provém e a Cristo conduz, pertence à única Igreja de Cristo’; agora se diz: ‘... pertence de direito à única Igreja de Cristo.

Na alínea seguinte se falava da graça e verdade ‘confiada à Igreja’; agora se diz: ‘confiada à Igreja Católica’.

Na alínea seguinte se falava do Povo de Deus, ‘ainda que sujeito ao pecado’; agora se diz: ‘ainda que nos seus membros sujeito ao pecado’.

No fim da alínea 4 do n. 4 se dizia da ação ecumênica e do apostolado de conversão que ‘ambas são obras inspiradas pelo Espírito Santo’; agora se diz: ‘ambas procedem da disposição admirável de Deus’.

Na alínea 8 do mesmo n. 4 se dizia antes que ‘é digno e salutar reconhecer as riquezas de Cristo e os dons do Espírito Santo na vida dos outros’; agora se diz: ‘... as riquezas de Cristo e as obras das virtudes na vida dos outros’.

Na alínea seguinte se dizia antes que não se passe por alto ‘o que o Espírito Santo realiza nos corações dos irmãos separados’; agora se diz: ‘o que a graça do Espírito Santo realiza nos irmãos separados’.

No n. 14 se dizia antes que no Oriente não poucas Igrejas particulares ‘se originam dos próprios Apóstolos’; agora se diz: “...se gloriam de ter origem nos próprios Apóstolos’.

Na alínea 4 do n. 15 se recomendava aos católicos ‘que se acheguem a estas riquezas espirituais dos Padres Orientais’; agora se recomenda ‘que se acheguem com mais freqüência ...’

No n. 16 se dizia que as Igrejas do Oriente ‘têm o direito e o ofício de se governar segundo as disciplinas próprias’; agora se diz que ‘tem a faculdade de se governar...’

No n. 17 se dizia que as várias fórmulas teológicas do Oriente e do Ocidente ‘mutuamente mais se completam do que se opõem’; agora se diz: ‘não raras vezes mutuamente...’

No n. 21, alínea 2, se dizia antes dos protestantes: que ‘pela moção do Espírito Santo, nas próprias Sagradas Escritura eles encontram a Deus que lhes fala em Cristo’; agora se diz: ‘Invocando o Espírito Santo, nas próprias Sagradas Escrituras eles procuram a Deus que como que lhes fala Cristo...’.

No n. 22, alínea 2, se dizia que as comunidades eclesiais separadas (do Ocidente), ‘embora não tenham conservado a plena realidade da Eucaristia...’; agora se diz: ‘embora não tenham conservado a genuína e íntegra substância do Mistério eucarístico...’”. Deve-se esclarecer que as emendas do papa não foram submetidas a nenhum sufrágio, mas sim inserida no texto que foi aprovado no dia 21 de novembro de 1964. "

Tais informações encontram-se nas crônicas conciliares de Frei Boaventura Kloppenburg, volume IV, p. 444-445.

Quem desejar aprofundar sobre a gênese do texto sobre o ecumenismo no Vaticano II confira: VELATI, Mauro. Una difficile transizione: il cattolicesimo tra unionismo ed ecumenismo (1952-1964). Bologna: Il Mulino, 1996.

Há 30 anos morria Paulo VI

Em 6 de agosto de 1978 morria o papa Paulo VI. Alguns textos (La croix, L'Avvenire) sobre a sua morte já saíram ontem mesmo trazendo algumas palavras de Bento XVI. Montini é um nome que causa repulsa tanto em ultraconservadores quanto em liberais. Os ultraconservadores (quando uso esse nome refiro-me a Lefebvre e seu grupo) vêem-no como o papa da Reforma Litúrgica, do novo missal, que joga por terra a missa antiga definida por São Pio V para sempre como forma ordinária de celebração. Um demoniozinho, diríamos assim. Já para os liberais empedernidos, Paulo VI é um traidor da causa de João XXIII e o "espírito" que desejou imprimir nos trabalhos conciliares. Montini é o responsável pela "limitadora" Nota Praevia, que interpretava a colegialidade não de forma extensa, como desejavam. Aquele que contrário aos desejos de "muitos" proclamou "Maria Mãe da Igreja" no final do período conciliar de 1964.
Mas vamos lá: nem demônio nem traidor. A reforma litúrgica legitimou práticas que já se desenvolviam durante todo o século XX, principalmente no pontificado de Pio XII, a partir de sua encíclica Mediator Dei. Claro que não faltaram excessos e exageros a partir do novo missal, contudo, tais excessos não tiram a seriedade e a boa vontade que tal reforma foi posta em caminho pelo papa. Sobre as intervenções do papa em 1964: com as intervenções tomadas no final de 1964, Paulo VI reafirmou o primado papal, um dogma promulgado pelo Vaticano I no século XIX. Nada mais natural. Mas para os liberais era uma afronta à dinâmica da assembléia. O que existe é muita desinformação e falta de estudos das palavras de Montini. Paulo VI foi, isso sim, muito corajoso por colocar as reformas em andamento e reprimir os excessos. Assim, quem quiser aprofundar, é possivel achar os discursos de Paulo VI em português. Sugiro um pequeno livro italiano que reúne os discursos do papa no concílio e no pós-concílio: MALNATI, Ettore. Paolo VI e il Concilio. Strada Valenza: Portalupi, 2006.

Dia do sacerdote

Palavras do Cardeal D. Cláudio Hummes Arcebispo emérito da Arquidiocese de São Paulo e Prefeito para a Congregação do Clero, proferidas em 15 de julho na cidade do Vaticano:

Meus caros Sacerdotes, Para o dia 4 de agosto, festa de São João Maria Vianney, o Cura d’Ars, envio-vos de coração as mais calorosas saudações e esta mensagem fraterna. A Igreja hoje sabe que há uma urgência missionária, não apenas “ad gentes”, mas também nas regiões e ambientes em que há séculos a fé cristã foi pregada, implantada e as comunidades eclesiais estabelecidas. Trata-se de uma missão ou evangelização missionária (Redemptoris Missio, 2) dentro do próprio rebanho, que tenha por destinatários aqueles que nós batizamos mas, por diversas circunstâncias, não conseguimos evangelizar suficientemente ou perderam o primeiro fervor e se afastaram. A cultura pós-moderna da sociedade atual, uma cultura relativista, secularizada, agnóstica e laicista, também exerce uma forte ação erosiva sobre a fé religiosa de muitos. A Igreja é por natureza missionária. “O semeador saiu a semear” (Mt 13,3), diz Jesus. Saiu de casa e não se limitou a jogar da janela a semente. Assim, a Igreja sabe que não pode permanecer em casa e limitar-se a acolher e evangelizar os que a procuram em suas comunidades e igrejas. É preciso levantar-se e ir em busca, lá onde as pessoas e as famílias residem, vivem e trabalham. Ir também a todos os serviços, organizações, instituições e âmbitos da sociedade humana. Para esta missão, todos os membros da comunidade eclesial são chamados, pastores, religiosos e leigos. Por outro lado, a Igreja reconhece que os presbíteros são a grande força propulsora da vida quotidiana das comunidades locais. Quando os presbíteros se movem, a Igreja se move. Caso contrário, será muito difícil realizar a missão. Vós, caros irmãos presbíteros, sois a grande riqueza, o dinamismo, a inspiração pastoral e missionária, lá na base, onde vivem em comunidade nossos batizados. Sem vossa determinante decisão de remar mar a dentro (“Duc in altum”) para a grande pesca, à qual o próprio Senhor vos convoca, pouco ou nada acontecerá em âmbito de missão urgente, seja “ad gentes” seja nos territórios de antiga evangelização. Mas, a Igreja tem certeza de poder contar convosco, porque sabe e reconhece explicitamente que a imensa maioria de nossos sacerdotes, não obstante as fraquezas e limitações humanas, que todos temos, são sacerdotes dignos, que doam cada dia sua vida ao Reino de Deus, que amam Jesus Cristo e o povo que lhes foi confiado, sacerdotes que se santificam no exercício diuturno de seu ministério, que perseveram até o fim na messe do Senhor. Há, sim, uma pequena parcela de sacerdotes, que se desviou, às vezes muito gravemente. A Igreja procura reparar o mal feito por eles. Mas, por outro lado, alegra-se e orgulha-se da imensa maioria de seus presbíteros, que são bons e sumamente louváveis. Neste Ano Paulino e na expectativa do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus, que se realizará em Roma, em outubro próximo, queremos todos nos dispor para a urgente missão. Que o Espírito Santo nos ilumine, nos envie, nos impulsione para que andemos e anunciemos de novo a todos a pessoa de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, e seu Reino! Saúdo-vos, ainda uma vez, caros irmãos, permanecendo sempre a vosso serviço. Rezo por vós todos, em especial pelos que estão sofrendo, pelos enfermos e idosos.

Mais um texto sobre hermenêuticas conciliares

O debate acerca da continuidade e descontinuidade do Concílio Vaticano II com a história milenar da Igreja é o debate do momento nos meios historiográficos e teológicos, principalmente depois da alocução proferida por Bento XVI para os cardeais na ocasião do Natal de 2005. Assim sendo, mais um artigo saiu sobre o tema, trazendo algumas interessantes referências bibliográficas para aprofundamento.