João Paulo II e o comunismo

Isto é mais uma prova histórica da importância de Karol Wojtyla na aceleração do processo de desabamento do comunismo na URSS e no Leste Europeu. Agentes húngaros, apoiados pelo Kremlin, estariam por trás da tentativa de assassinado de João Paulo II em 1981.

"Touche pas a mon pape!"

Essa era a frase que alguns estudantes católicos carregavam em seus peitos em frente a catedral de Notre Dame em Paris com o intuito de fazer frente a manifestação radical e desproposital que distribuia preservativos no local e impedia a entrada de fiéis na Igreja. Abaixo segue um vídeo sobre o ocorrido em 22 de março último. O que não entendi foi a atitude da polícia: enquanto alguns tentam arrancar os cartazes das mãos dos manifestantes, claramente católicos, a polícia intervém na defesa do grupo "ActUp", "protegendo", vamos assim dizer, aqueles que gritavam blasfêmias contra Bento XVI. Aqui um comunicado da ActHope, jovem associação católica francesa, que tentou impedir a manifestação.

D. Laurent Ulrich comenta

Reportagem de Stéphanie Le Bars, publicada no jornal Le Monde, 28-03-2009 e reproduzida com tradução de Moisés Sbardelotto no iHuonline. O entrevistado é Dom Laurent Ulrich, arcebispo de Lilla e vice-presidente da Conferência dos Bispos da França.

Como o senhor explica esse mal-estar? Foram cometidos erros?

Efetivamente, observa-se um desconforto ligado a uma série de casos julgados incompreensíveis. No caso dos bispos integralistas, é verdade que as explicações tardaram em chegar. Mas o Papa reconheceu os erros de comunicação e deu-lhes uma explicação na sua carta aos bispos. Hoje, ninguém está protegido desse tipo de erros.

No Brasil, a posição do episcopado brasileiro, que contradizia o bispo que havia pronunciado a excomunhão, foi pouquíssimo publicada pela imprensa. Entendeu-se que a excomunhão não é mais efetiva? Nem o texto de dom Fisichella – presidente da Pontifícia Academia para a Vida – que expressava a sua compaixão pela menina não foi muito difundido. A Conferência dos Bispos da França não quis acrescentar outras coisas a um drama do qual não conhecia todos os elementos.

Sobre os preservativos, quando lemos o texto do papa nas nossas reuniões públicas, as pessoas se dão conta de que é um discurso equilibrado. Ele repete que não se resolverá o flagelo da Aids apenas com as campanhas em favor do preservativo. O apelo à fidelidade é compreendido. E foi acolhido favoravelmente na África, pelos bispos mas também por responsáveis civis e políticos. De tudo o que o Papa disse, foi colocada em evidência apenas uma meia frase...

Como os católicos se sentem hoje? O que a Igreja faz para remediar o desconforto?

Não se pode dizer que os cristãos franceses estão desmoralizados. Evidentemente, ouve-se um certo número de pessoas dizendo "Não me sinto bem na minha Igreja". Alguns escrevem para dizer que já estão saturados da Igreja. Muitas vezes, tratam-se de pessoas que já haviam se distanciado da Igreja.

E outros estão muito felizes por ter encontrado a mensagem do Evangelho. O número de batismos de adultos aumenta: passaram de 2.300 para 2.900 entre 2001 e 2009. As polêmicas não colocam em discussão as convicções daqueles que se comprometem. Certos padres estão perturbados, mas todos estão atentos para ajudar os cristãos a entender. Depois da tempestade, vem o momento do diálogo. Não deixamos o Papa sozinho nas dificuldades. Nós, católicos, mostramos a nossa ligação com a Igreja, com a sua mensagem e com o Papa, pois as suas palavras são palavras de razão. São palavras que contam, senão não fariam tanto barulho! Certamente nos provocam, a nós e à sociedade. A Igreja faz refletir.

Na Igreja, alguns também consideram que essas palavras são sempre menos compreensíveis pelas sociedades ocidentais...

Não acredito. A nossa linguagem não é inacessível. Requer escuta, reflexão, discussão e tempo. As nossas palavras não satisfazem sempre o pensamento dominante, mas isso não é novidade! Isso não significa que somos destinados a ser colocados de lado. É uma das vocações da Igreja dizer coisas que não confirmam o pensamento único. Nós não buscamos uma oposição frontal e polêmica, mas a nossa palavra é livre e não nos sentimos obrigados a justificar tudo. A Igreja tem um dever e um direito de contestação. Porém, os católicos não estão na contracultura: pelo contrário, estão comprometidos com a vida da sociedade.

É possível ser católico mesmo criticando o Papa?

O símbolo da unidade que o Papa representa pode se enfraquecer, mas a fé católica não pode viver a sua unidade sem a relação com o Papa. Pode haver irritações passageiras, refutações, mas a unidade da fé não pode ser colocada em discussão. Que certas pessoas estejam desorientadas é possível, mas estou convencido de que a sua fé é maior do que uma desorientação momentânea.

Bento não sabe o que faz?

Podemos estar vivendo um dos momentos mais importantes da Igreja pós-conciliar nesses 50 anos de convocação do Vaticano II. Com as últimas tomadas de posição de Bento XVI, com sua afirmação de uma hermenêutica contínua do concílio, que preze a história milenar da Igreja, ameçam claramente as posições daqueles grupos que se achavam os "vitoriosos do concílio" e que imprimiram nas consciências, a partir de toneladas de publicações em editoras católicas ou não, a idéia de que a Igreja estava num caminho de uma "modernização teológica" e de uma democratização em suas tomadas de decisões, de uma ruptura com seu passado "intransigente". A tese da colegialidade do Vaticano II foi interpretada em seu senso largo, mesmo depois da nota praevia inserida no texto por Paulo VI, que presentia que sem aquela explicação de como deveria ser interpretada, o texto poderia esvaziar o primado papal. Mesmo assim a tese foi e é interpretada da forma que Montini não desejava. O bispado alemão fala em colegialidade ao criticar as posições do papa em relação aos seguidores de Lefebvre. Podemos ver isso a partir de uma análise do espanhol El País. Bento XVI deveria consultar os bispados mundias para tomar a decisão em relação a eles? Esse é o desejo de muitos, e seus discursos estão recheados de afirmações que apontam o papa, junto com seu antecessor, de "negadores do concílio", ao tomarem posições sem consultá-los. Não digo que não seja legítimo esse desejo de união e colaboração entre todos que pertençam à Igreja. E os bispos são muito importantes. Contudo, eles sabem que o Vaticano II tentou equilibrar o poder com a colegialidade, mas sem, nunca, tirar nada do primado. O papa continua a ser o ponto de referência central da Igreja romana. Desde o levantamento das excomunhões dos lefebvrianos agigantam-se as críticas a Bento XVI, e tudo o que é dito por ele é lido e interpretado, em vários meios de comunicação, sempre unilateralmente. A promoção de descrédito das posições de Ratzinger avoluma-se dia após dia. A mídia não para de apontar seus "erros", como se vê na matéria do El País acima referida. Em quem Bento XVI pode confiar? Parece, como visto no caso do levantamento da excomunhões e o dossiê que gira dentro do Vaticano, que a orquestração para desacreditar o papa vem de dentro e de pessoas "próximas". Alguns até dizem que o cardeal Re é um dos que não "batem" com Ratzinger. Lembrem-se que Re era um dos papáveis. O que existe é muita especulação sobre as relações Bento XVI-Cúria. E encaixo minhas palavras nesse contexto. O que não é especulação, e é mais claro que o sol, é que a descrença cresce em torno de Bento devido às interpretações unilaterais da mídia mundial de qualquer palavra do papa. A mesagem que passam é: nada pode se esperar de Bento XVI, a não ser atitudes atrapalhadas, que mais causam mal-estar do que qualquer outra coisa. Mas será que ele não sabe o que faz?

Reação dos israelitas a D. Dadeus

A revista Press & Advertising, que trouxe entrevista com D. Dadeus, Grings, arcebispo de Porto Alegre, e que gerou muita polêmica de ontem para hoje devido suas afirmações ("morreram mais católicos do que judeus no holocausto, mas isso não aparece porque os judeus têm a propaganda do mundo”) publica em seu site uma nota da Federação Israelita. Ei-la:

Resposta às declarações do Arcebispo de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings

Nos surpreendem as declarações do arcebispo de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings, publicadas pela revista Press. Não é a primeira vez que o religioso se refere ao Holocausto de forma distorcida. Nós, brasileiros de todas as origens, construímos através de décadas uma tradição de convivência pacífica harmoniosa. Afirmações como as de Dom Dadeus não contribuem em nada para este modelo que serve de inspiração a outros países. Reduzir ou relativizar o Holocausto agride a memória de milhões de mortos numa guerra iniciada pelo fanatismo e pela intolerância.
O próprio Vaticano, nos últimos anos, adotou uma postura aberta e transparente em relação ao assassinato de seis milhões de judeus. Aliás, as relações entre a Igreja Católica e a comunidade judaica nunca foram tão boas. Em maio, o Papa Bento XVI visitará Israel.
Na contramão dessa realidade, mais uma vez Dom Dadeus destoa dos seus semelhantes ao usar argumentos sem qualquer valor moral ou científico. Morreram menos judeus na II Guerra porque havia e ainda há menos judeus no mundo. Proporcionalmente, a chacina minimizada pelo arcebispo significou a aniquilação da maior parte de um povo que já era pequeno.
Manifestamos a esperança de que Dom Dadeus reflita sobre as suas declarações. Ele é um homem de fé e de paz. Esteve na posse da diretoria da Federação Israelita há poucos dias, o que muito honrou e sensibilizou a comunidade judaica gaúcha. Entretanto, ao reproduzir estereótipos criados pelos nazistas, Dom Dadeus se posiciona do lado errado da História. Suas declarações agridem não só aos judeus, mas aos milhões de ciganos, portadores de deficiência, homossexuais e adversários do regime nazista que foram igualmente assassinados.
A única forma de impedir que a barbárie perpetrada pelos nazistas se repita - contra os judeus ou contra outras etnias ou segmentos religiosos - é respeitar sempre a memória, com seriedade, fraternidade e honestidade. É isto o que esperamos de Dom Dadeus Grings e dos homens e mulheres comprometidos com a verdade e com a justiça.

Porto Alegre, 26 de março de 2009.

Henry S. Chmelnitsky
Presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul
Fonte: FIRS

Jean Guitton: 10 anos de morte


Data importante que merece ser lembrada: hoje faz 10 anos que morreu Jean Guitton, um dos últimos e maiores intelectuais franceses do século XX. "Guitton colocou si mesmo como antipoda da posição sartriana: ele não optou pelo nada e não entendeu a vida como uma paixão inútil, mas escolheu pela esperança e se confrontou com futuro com uma posição positiva e construtiva, olhando o essencial e sempre desejando chegar a ele. Nos últimos anos procurou, por diálogo com dois físicos, a indagar a relação entre Deus e a ciência, através de confronto com os temas e a dificuldade das pesquisas teóricas mais avançadas [...]", afirma matéria de il.sussidiario.

Dr. Green concorda com Bento XVI

Um estudioso de Harvard concorda com as posições de Bento XVI sobre os preservativos. Edward Green comenta, deixando claro que sua posição não está ligada a uma discussão em que a religião sobrepõe o campo secular: "I am a liberal on social issues and it’s difficult to admit, but the Pope is indeed right." Apontado por Reinado Azevedo, as matérias que reverberam as palavras de Dr. Green aqui e aqui.

Santo Anselmo na Faculdade São Bento

Simpósio sobre Santo Anselmo, um dos maiores nomes da filosofia medieval, na Faculdade do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, entre 28 e 30 de abril. Maiores informações.

Algumas reflexões

- De acordo com matéria do Religius Intelligence, cresce as polarizações entre cristãos e "secularistas" nas universidades britânicas. Confira texto completo.

- O L'Avvenire publica texto de Riccardo Cascioli abordando o tema dos preservativos e defendendo a visão do papa.

- No L'Occidentale, Pietro di Marco escreve primoroso artigo sobre a contenda interpretativa do Vaticano II. Afirma: "a história católica precedente ao Concílio Vaticano II é o vital horizonte do 'espírito' do mesmo concílio e da sua realização - 'realização' que muitos extremistas viveram em vez como incompatibilidade com o passado [...] só um uso político do concílio, não a sua doutrina, rebaixou, sobre o pretexto da 'ruptura' conciliar [...] os séculos de vida, autêntica Tradição cuja os tradicionalistas católicos reclamam."

- O Wasington Post traz matéria no qual o arcebispo Raymond Burke diz que Obama "could be an agent of death", se der suporte financeiro aos abortistas em outros países.

- Mais uma polêmica: D. Dadeus Grings fala na revista Press que "judeus tem a propaganda no mundo" e que morreram mais católicos no Holocausto do que judeus.

L'Osservatore fala sobre o preservativo

Mais um capítulo desenrola-se na em torno do grande falatório sobre as posições de Bento XVI e os preservativos. O L'Osservatore Romano admite publicamente a eficácia profilática da camisinha. É o que diz o Le Figaro. Em matéria de 22 de março passado, o jornal reconheceu em matéria de capa que o preservativo é eficaz em 97 % em melhores condições de uso e 87 % em condições comuns, como na África. Cita o caso da Uganda, país que conseguiu reduzir consideravelmente o nível das infecções com seu programa "ABC", abstinência, fidelidade (be faithful) e preservativo (condom). "L'Ouganda est ainsi «l'unique pays d'Afrique qui a obtenu de bons résultats» dans cette lutte contre le sida : 'La fréquence d'infection dans la population est descendue de 15 % en 1991 à 5 % en 2001.'"
E em Paris, enquanto isso, o papa vira camisinha. Imagine se fosse Maomé estampado... O mundo viria abaixo!

Embriões e afins

Interessante reportagem de médico português publicado no Estado de São Paulo e postado no blog Nuvem do não-saber:

Célula embrionária é para fazer bebês, diz neurocirurgião português


Carlos Lima diz que só se faz pesquisa com célula-tronco de embrião porque a adulta não rende patente

Clarissa Thomé escreve para “O Estado de SP”:

O neurocirurgião português Carlos Lima, do Hospital de Egas Moniz, em Lisboa, conhecido por aplicar desde 2001 uma técnica experimental de recuperação de lesão medular baseada no implante de células-tronco retiradas da mucosa olfativa, veio ao Brasil para uma conferência sobre o tema realizada ontem na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Lima é um crítico das pesquisas com células embrionárias. Para ele, não se investe mais em células-tronco adultas porque não se pode patenteá-las. “Querem continuar a gastar tempo, dinheiro e energia, causando sofrimento ao paciente, por uma única razão: célula da mucosa olfativa não tem patente. Do ponto de vista financeiro, não traz benefício.”

Desde o início da pesquisa, 125 pessoas foram operadas e tiveram diferentes graus de recuperação – uma delas, a carioca Camila Magalhães Lima, de 23 anos, tetraplégica desde os 12 por causa de bala perdida.

Camila foi operada por ele em 2006 e diz ter recuperado parte da sensibilidade nos pés e nas costas, além de conseguir dar alguns passos com ajuda de equipamentos. A seguir, trechos da entrevista.

O que deve ser feito após o implante das células-tronco?
– Em lesões medulares crônicas, o cérebro deixa de reconhecer partes do corpo. As células que lembram a existência das pernas, dos braços, vão desaparecer. A complexidade para refazer essas conexões é impressionante. Demora anos. Por isso é preciso fisioterapia.

Como o senhor analisa o estudo com células-tronco embrionárias?
– Se faz pesquisa com elas por uma razão: célula adulta não rende patente. A célula da Camila é dela e foi usada para curar uma lesão que ela tem. Não se pode patentear. Grupos econômicos fazem toda essa publicidade em torno de células embrionárias, que na minha opinião nunca vão funcionar. A natureza não faz células embrionárias para reparar o corpo, mas para fazer bebês. Temos células com essa potencialidade das embrionárias, como as do nariz, que não só fazem neurônio, mas fazem fígado, sangue, pâncreas, mas isso não está na agenda.

O que está na agenda?
–Manipular células, patenteá-las, como se fosse possível mexermos no código da vida impunemente.

Casos como o da Camila surpreendem o senhor?
– Quem não se surpreende com um caso como o dela? Mas hoje ela não poderia ser operada, pelos critérios da pesquisa. Na fase atual, estamos operando doentes completos (sem nenhum movimento abaixo da lesão), crônicos e que possam fazer a reabilitação.
(O Estado de SP, 25/3)

Os rebeldes e os tiranos

"Os rebeldes de hoje são, apenas, os pais dos tiranos de amanhã - os tiranos de hoje, filhos dos rebeldes de ontem". Do livro História das Idéias Religiosas no Brasil, de João Camilo de Oliveira Torres.

Coutinho aponta a "grosseria" de Marcos Nobre

Marcos Nobre, hoje na Folha, tenta dar um pitaco no turbilhão midiático que Ratzinger está inserido. Consegue fazê-lo, pois publicou, mas com alguns problemas. Ele afirma que o papa está convocando seu exército. Em certo ponto afirma: "Depois, reabilitou os excomungados integristas, cujo líder nega o Holocausto nazista." Erro. Quem nega o Holocausto não é Fellay, que é o líder da FSSPX, mas Willianson, um bispo dessa fraternidade. Logo depois: "Seu antecessor, João Paulo 2º, respondeu ao desafio dos fundamentalismos religiosos com uma volta ao mistério do sagrado, mas também com o diálogo ecumênico. O então cardeal Ratzinger impôs o silêncio obsequioso aos que divergiam da sua orientação e substituiu um a um os bispos mais críticos." Ratzinger era chefe da Congregação para a Doutrina da Fé de João Paulo II. Aqueles que colocaram em risco, segundo Ratzinger, os fundamentos da fé em seus tratados teológicos foram afastados por ele, com a anuência de João Paulo II. Então, não se pode contrastar um papado com o outro, pelo menos nesse sentido. Depois: "Escolhido papa, Bento 16 responde aos fundamentalismos religiosos com a criação de um fundamentalismo católico." Afirmar o que se acredita nesse mundo de hoje é tornar-se "fundamentalista". Até que ponto aquele que acredita em uma doutrina é considerado um "simples" fiel ou um "fundamentalista"? Ir à missa todos os dias, confessar-se e acreditar na Igreja Católica como a Igreja de Cristo pode ser sinal de "fundamentalismo". Ainda: "Não se trata apenas de tolerar externamente a existência de outras religiões, mas de aceitar a ideia de que é possível e legítimo expressar a fé de diferentes maneiras, em diferentes religiões." Diga-me aonde o papa afirma que isso não pode ser feito? Como um herdeiro do Vaticano II ele sabe muito bem por onde andas a teologia das religiões. Por fim: "O fundamentalismo praticado hoje pelo Vaticano destrói não apenas milhões de vidas. Destrói também as bases de uma convivência tolerante que levou séculos para ser construída." Destrói milhões de vidas? Por que? Por que afirma ser melhor a castidade do que a camisinha? Além do mais, é preciso dizer: o pluralismo como se vê hoje nas sociedades liberais-democráticas é fruto da própria dinâmica do cristianismo.

Parece que outro articulista da Folha, João Pereira Coutinho não concorda com Marcos Nobre. E dá resposta a ele no mesmo dia, sem saber, penso, de seu texto: "Tenho uma amiga que não gosta do atual papa. Razões? Ela responde: 'Acho que ele é demasiado católico'. A primeira vez que ouvi a tese, chorei de rir. Mas chorei com respeito. A tese expressa, com rigor e humor, o espírito do tempo sempre que o papa resolve ser papa." Depois: "a Igreja Católica, com total legitimidade, tem uma particular doutrina sobre a sexualidade humana, onde a abstinência (antes do casamento) e a fidelidade (depois do casamento) constituem-se como valores centrais. Centrais e absolutamente lógicos. Não é preciso ser católico para comprovar a eficácia do método. Basta usar a cabeça, caso exista uma: se os seres humanos fossem capazes de trilhar a visão de perfeição proposta pelo papa, a possibilidade de contágio seria nula, ou quase. Acusar o papa de espalhar a Aids na África não é apenas insulto grosseiro; é irracionalismo grosseiro. Se as pessoas seguissem a doutrina da Igreja em matéria sexual, não haveria Aids no mundo."

O dissenso na Igreja e a colegialidade

Marco Politi escreve sobre o papado de Bento XVI no The Tablet. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

"Crises anteriores no pontificado de Bento XVI envolveram as relações entre a Igreja e as outras fés. Mas a crise precipitada pela revogação da excomunhão de quatro lefebvrianos fez com que os bispos católicos expressassem seu desejo de um tipo diferente de relação com o Vaticano.A despeito de uma carta aos bispos de todo o mundo que provocou imediatamente profissões de solidariedade, o Papa Bento XVI, me parece, é como um monarca solitário que está perdido na Cúria.A tempestade causada pela remissão das excomunhões contra os quatro bispos lefebvrianos pode parecer que tenha se acalmado, mas a crise que explodiu após a sequência de erros que o Papa Bento buscou explicar ainda não. Ele se tornou um pontificado de duas metades: antes da ruptura e depois dela. O período depois explicitou questões que se referem à liderança de Joseph Ratzinger, revelando, ao mesmo tempo, a tensão entre o governo central da Igreja e bispos importantes do hemisfério Norte.Lendo as entrelinhas da mensagem de solidariedade dos bispos ao Papa, existem pedidos para que ele mude o seu estilo de governo. A hierarquia alemã se professa encantada pelo Papa querer entrar "em diálogo com os bispos" (assinalando que até então isso não acontecera). Os bispos franceses destacam a necessidade do Vaticano de se tornar acostumado a um intercâmbio que é "rico e substancial", indicando que a relação entre o Papa e os bispos não deveria consistir simplesmente em ordens que vem de cima. Na Suíça, o bispo de Lugano, Pier Giacomo Grampa, expressou a esperança de que o estilo humilde e fraterno da carta de Bento XVI se torne o estilo adotado no governo cotidiano da Igreja.Mas foram os bispos austríacos que apresentaram a mensagem mais fortemente mordaz. A Igreja guiada por um de seus discípulos mais fiéis, o cardeal Christoph Schönborn, lembra ao Papa que ele não é a única pessoa que está sofrendo e que essa dor também foi sentida "por muitas igrejas locais e pelas pessoas de fora da Igreja".O problema central na Igreja hoje não é a existência de um partido anti-Ratzinger na Cúria. Pode haver cardeais que são mais ou menos entusiastas sobre a direção na qual o Papa está guiando a Igreja. Certamente, o secretário de Estado, cardeal Tarcisio Bertone, não é considerado parte do aparato curial ou "um deles". No entanto, em geral, os chefes das congregações são bem alinhados e seguem as instruções papais fielmente. Centros de oposição ou dissenso não existem. O problema real parece ser a ausência de uma liderança inspirada por uma estratégia coerente que possa dar conta da cena geopolítica e da opinião pública dentro e fora da Igreja.Fez sentido revogar as excomunhões dos quatro bispos lefebvrianos – sem obter qualquer declaração de adesão fiel ao Concílio Vaticano II – no mesmo dia que marcava o 50º aniversário da decisão do Papa João XXIII de convocar o Concílio? Fez sentido insistir no perdão ao bispo negacionista Richard Williamson na mesma semana dedicada à memória da Shoah?MaAqui há um detalhe importante que deveria ser lembrado. O decreto do Vaticano de revogar as excomunhões foi publicado 48 horas depois que a história fosse divulgada pela primeira vez na imprensa. Imediatamente depois disso, a entrevista com o bispo Williamson para a televisão sueca foi publicada, na qual ele insistia que seis milhões de judeus não haviam morrido no Holocausto. Houve dois dias para que Bento XVI e seus assistentes tivessem uma ampla oportunidade de bloquear a publicação do decreto e evitar a necessidade de avisos, explicações e solicitações à Fraternidade de São Pio X, que surgiram do secretário de Estado só depois que a catástrofe havia acontecido. A generosidade com a qual o Papa, em sua carta, evitou culpar qualquer um de seus colaboradores – em primeiro lugar, o cardeal Castrillón Hoyos, presidente da Comissão Ecclesia Dei, encarregada de negociar com os lefebvrianos – não nega um fato: mesmo que ele tenha sido avisado pela imprensa mundial sobre a crise iminente, o Papa não considerou oportuno pedir um tempo e rever a decisão.Eu imediatamente pensei nos dias que se seguiram ao 12 de setembro de 2006, em Regensburgo. Muitas horas antes que Bento XVI apresentasse a sua conferência na universidade, citando as palavras anti-Islã de um longínquo imperador bizantino, um grupo de jornalistas (que receberam uma cópia do texto sob embargo às 7h daquele dia) já haviam avisado o porta-voz do Vaticano, Pe. Federico Lombardi, que a declaração poderia causar problemas com os muçulmanos. Os jornalistas eram dos jornais La Repubblica, New York Times, Los Angeles Times e da Associated Press, assim como do canal de televisão italiano Channel 5. Ninguém pode duvidar que o Pe. Lombardi informou os seus superiores. Acima de tudo, sabe-se muito bem no Vaticano que o cardeal Angelo Sodano avisou o Papa do risco que ele estava assumindo com essa conferência. Mesmo assim, Bento XVI seguiu em frente, com a consequência de que ele teve que expressar muitas vezes o seu arrependimento aos representantes do Islã. O séquito do Papa tem uma máxima: "Não perturbe o motorista". Mas essa não é a forma de se guiar uma comunidade de 1,2 bilhão de fiéis. A carta do Papa Bento expressa uma grande sinceridade pessoal, mas também revela uma fraqueza. Falar de hostilidade dirigida contra o Papa, especialmente dentro dos círculos católicos, levanta algumas sérias questões. Isso sugere que ou Papa considera toda crítica como um ataque pessoal – e essa não deveria ser a reação de um líder que precisa compreender a complexidade envolvida no processo de governança – ou que existem muitas pessoas na Igreja que estão preocupadas com a direção que está sendo tomada pelo Papa.Essa é a primeira crise real da liderança do Papa. Nos últimos anos, as crises foram sempre fora da Igreja: relações com o Islã, relação com a comunidade judaica impacientes com relação às medidas para beatificar Pio XII. Mas desta vez a crise explodiu "dentro" da Igreja, e o fato que surge claramente é que os bispos denunciaram uma ausência de colegialidade no governo do Papa Bento.O Papa estava totalmente ciente de que a maioria dos membros do Colégio Cardinalício que se encontrou em Roma, em março de 2006, era da visão de que os seguidores da Fraternidade de São Pio X só poderiam retornar ao seio da Igreja se expressassem uma "adesão fiel ao Vaticano II". Mas ele preferiu não levar isso em consideração. Ao tomar a decisão de cancelar as excomunhões, ele não consultou nem os chefes dos dicastérios da Cúria, nem os bispos com um interesse particular. Ele não considerou isso importante nem necessário.Quando eu o entrevistei em novembro de 2004, apenas alguns meses antes do conclave em que foi eleito Papa, o então cardeal Ratzinger disse: "É crescentemente aparente que uma Igreja mundial, particularmente nesta situação presente, não pode ser governada por um monarca absoluto [...], em tempos em que um sentido deve ser encontrado para criar, de forma realista, uma profunda colaboração entre os bispos e o Papa, porque apenas dessa forma seremos capazes de responder aos desafios deste mundo".Bento XVI não fez nada para concretizar esse princípio. O caso referente aos lefebvrianos – como a decisão unilateral, em 2007, de restabelecer de forma permanente a missa pré-conciliar – trouxe à luz o coração da crise: o fracasso de implementar a colegialidade. O Papa João Paulo II também preferiu um exercício de poder que foi fortemente pessoal, mas, por trás de seu carisma, ele manteve um ouvido próximo da opinião pública mundial, teve um profundo sentido de história e a habilidade de realizar gestos que abriram novas perspectivas para a Igreja católica e para todo o cristianismo. Houve, por exemplo, o seu gesto de penitência pelos erros e pelos horrores cometidos pela Igreja ao longo dos séculos, a oração conjunta com os líderes de outras religiões mundiais, a celebração de laços únicos entre as fés abraâmicas – Judaísmo, Cristianismo, Islã – e a proposta final de uma consulta com os chefes das Igrejas cristãs para rever juntos o exercício do primado papal.Hoje, sem esses saltos para frente, o que fica é o problema nu de um exercício de poder que é autoritário e solitário, frente ao qual os bispos de todo o mundo estão aumentando suas demandas por colegialidade. O caso que se refere à nomeação do Pe. Gerhard Maria Wagner como bispo auxiliar de Linz se torna emblemático a esse respeito. Nunca havia acontecido que uma conferência nacional dos bispos se opusesse a uma nomeação papal e obrigasse o Papa a revogar a decisão. Porém, isso aconteceu na Áustria. E é um sinal de uma tensão subjacente que poderia facilmente pegar fogo. Da mesma forma, nunca havia acontecido que um arcebispo proclamasse uma excomunhão, validada posteriormente pelo Vaticano, e que os bispos de outro país protestassem contra a decisão ao ponto de que o jornal do Vaticano, L'Osservatore Romano, tivesse que criticar a excomunhão. Isso aconteceu com a excomunhão pronunciada no Brasil pelo arcebispo José Cardoso Sobrinho contra a mãe de uma menina de nove anos que permitiu que a sua filha tivesse um aborto depois que a menina havia sido estuprada e engravidasse. A reação violenta de um grande número de bispos na França contra a excomunhão criou uma dificuldade para o Vaticano.Verdadeiramente, sob a superfície do poder romano – assim como debaixo de um vulcão – pode-se ouvir estrondos abomináveis."

"Notícias" e Bento XVI

As "notícias" sobre as palavras do papa não cessam. Desde o "caso Willianson" qualquer coisa que Bento XVI afirma é oportunidade para enxovalhá-lo. Como estava mergulhado em trabalho semana passada, não consegui ver qual é a bola da vez: as palavras de Ratzinger sobre os preservativos. Oportunismo mesclado com desonestidade e mal-caratismo. Como nos disse Pondé em artigo da Folha de hoje (veja abaixo), a Igreja Católica, e principalmente o papa, são frutos de um pensamento que se baseia no senso comum. O que não deveria ser para um veículo de informações como a Folha. Rafael Cariello, que admiro pelo esforço em aprofundar os temas relacionadoa à Igreja de Roma, deixa-se levar facilmente por questões ideológicas em seu texto de hoje, e assume a posição clara e límpida da "esquerda católica", ao afirmar que o papa "discorda dessa interpretação do concílio (modernização e inculturação) como um movimento de 'aggiornamento', e prefere enfatizar a continuidade, a "centralidade" cultural européia e a tradição da Igreja Católica." Essa palavra "aggiornamento" é problemática, usada e abusada pelos grupos internos da Igreja em vistas de seus interesses simbólicos. Em relação à tradição, seria estranho se o papa estivesse preocupado em enfatizar a tradição zen-budista, não é mesmo? Ao buscarem serem críticos demais, jornalistas caem regularmente nas posições ideológicas assumidas por grupos que visam falar.
Aqui, o presidente da CEI (Conferenza Episcopale Italiana) fala algumas palavras sobre os últimos acontecimentos.

Preconceito iluminista

Trecho de artigo de Pondé hoje na Folha:

Outro fato que torna esse debate viciado é o preconceito contra a Igreja Católica, aliás, o único preconceito aceito pelos "inteligentes". Daí o desfile de expressões banais como "Inquisição", "Idade Média" ou "trevas". Puro senso comum. A igreja não é estúpida. Estúpido é quem pensa que ela o seja. Sua herança de 2.000 anos atesta a vida de uma instituição que soube atravessar séculos frequentando todas as trincheiras do mundo.
Para os pró-aborto, a máxima iluminista "O mundo só terá paz quando o último rei for enforcado nas tripas do último papa" continua sendo um princípio político. Infelizmente, grande parte dos estudos "científicos" sobre a Igreja Católica sofre do mesmo preconceito banal.
A identificação medíocre dela com mera instância de opressão vicia a reflexão, principalmente porque muitos desses estudiosos partilham da mesma máxima iluminista. Ao contrário, a igreja exerce hoje um (solitário) papel essencial como instituição que relativiza as obviedades modernas, entre elas o de nos lembrar da desumanização silenciosa do feto que opera no fundo dos argumentos pró-aborto.

Confirmar os irmãos na fé

Vittorio Messori, aquele famoso jornalista que entrevistou o então cardeal Ratzinger em 1984, que acabou dando na publicação do livro "A fé em crise?" (editora EPU), em italiano "Rapporto sulla fede", escreve hoje um primoroso artigo sobre Bento XVI no Corriere. Sem tempo de traduzir ou comentar deixo o link.

Fazendo mais uma referência a "correta interpretação do Vaticano II", Bento XVI afirma que a importância da formação dos padres deve basear-se no encorajamento de 'correct reading of the texts of the Vatican Council, interpreted in the light of all the Church's doctrinal inheritance'. O papa, que não é nada bobo, também sabe que a interpretação com marca na ruptura está ligada intrinsecamente com a questão das gerações. Desaparecida a geração que viveu o Vaticano II no seu fervor primeiro, também marcado por certas ilusões e "forçação de barra" da herença de 1968, a hermenêutica da ruptura tornar-se-á marginal dentro do espectro das interpretações históricas que assumam a complexidade do evento em sua duração temporal.

Consciência e metanóia

O Núcleo universitário de Estudos Católicos da UFMG organiza, entre os dias 24 e 26 de março, o evento "Eclipse da consciência e metanóia", meditações sobre pecado e conversão ministradas por Dom Eduardo Benes de Sales, responsável pelo setor das universidade da CNBB. Confiram informações aqui.

Não compreendo Hans Küng

Não consigo entender muito qual é a de Hans Küng em alguns momentos. Ou em todos que aparecem dizendo algo sobre Bento XVI ou seu pontificado. Em artigo da Periodista Digital, o teólogo alemão afirma: "La Historia juzgará al Papa como responsable de la propagación del sida en África". O que vejo constantemente é Küng querendo julgar o papa antes da própria história. Realmente não entendo qual é desse senhor. Küng demonstra-se como aquele porta-voz da consciência sobre o que o papa deveria ou não fazer, de como a Igreja deveria ou não ser. Se bastar no terreno da ética mundial seria muito melhor para ele, do que ser esse "anti-papa" midiático que só aparece nos jornais para levantar acusações à Roma e ao papa. Seu espírito "anti-romano", de que nos falou Balthasar, é que faz sua fama.

João Paulo II beato em abril de 2010

Última do dia: João Paulo II beato em 2 de abril de 2010. É o que afirma o Corriere reverberando notícia do jornal polaco Dziennik. A Congregação para a Causa dos Santos não confirma nem desmenti a notícia.

Bento e confirmação da rota de reforma

As discussões em torno da carta de Bento XVI desenrolam-se como previsto. Alberto Melloni escreve no Corriere dando sua visão da história. Para o pesquisador de Bologna, a carta demonstra três mudanças da postura de Bento XVI: um novo "sguardo" sobre o diálogo interreligioso, a noção de que o problema dos lefebvrianos é doutrinal e não discipliar e, a última e mais controversa, a não utilização da palavra "continuidade" no texto, preferindo falar que o "Vaticano II traz em si a inteira história doutrinal da Igreja". Para Melloni a carta significou uma mudança de rota em vista das "manotas", vamos assim dizer, de Bento XVI. Ratzinger estaria fazendo um mea culpa de seus "erros", desde a lição de Regenburg à Summorum Pontificum. Para mim, ao contrário do "bolognese", é a sua confirmação. Não é porque deixou-se de dizer em "continuidade" que ela dexou de ser um traço do papado. A frase de Bento XVI é clara e confirma a dita "continuidade". Ratzinger sabe aonde anda, mesmo que possa estar "desemparado" por aqueles que o deveriam fazê-lo. Quem faz também a crítica a Melloni é Pietro di Marco.

Küng e suas memórias

Hans Küng, o polêmico teólogo que foi suspenso e proibido de lecionar em escolas católicas no final da década de 1970 pelo Congregação para a Doutrina da Fé, devido a posição nada ortodoxa, lança segundo volume de suas memórias com o título Verdade controvertida. O alemão ganhou notoriedade com sua proposta para uma ética mundial baseado no diálogo entre as religiões. Ponto positivo. Porém, continua com sua retórica agressiva e antiromana, o que faz os media deitarem e rolarem. Aqui mais uma entrevista em que o teólogo mostra suas posições.

Rino Fisichella e o "caso de Alagoinha"

Rino Fisichella, presidente da Pontifica Academia para a Vida escreveu um artigo no L'Osservatore Romano divergindo com a decisão de excomungar a mãe da "criança de Pernambuco". Segundo ele,"Não era preciso tanta urgência e publicidade ao declarar um fato que se realiza de maneira automática. O que se sente maior necessidade neste momento é o sinal de um testemunho de proximidade a quem sofre, um ato de misericórdia que, mesmo mantendo firme o princípio, é capaz de olhar além da esfera jurídica para atingir aquilo que o direito prevê como objetivo de sua existência: o bem e a salvação daqueles que crêem no amor do Pai e daqueles que acolhem o Evangelho de Cristo como as crianças, que Jesus chamava para junto de si e as abraçava dizendo que o reino dos céus pertence a quem é como elas." Lúcido, transparente, claro e honesto. O texto completo em português aqui.

Blogs na dianteira do anúncio

A cada dia, ainda mais depois da carta de ontem de Bento XVI, a Igreja vê a necessidade de se adentrar pelo mundo da web. Isso não é novo, claro. Mas as exigências atuais a impele a fazer maior inserção no mundo da internet. São os blogs que tomam a dianteira de um aprofundamento da interação entre católicos, fiéis de outras religiões e mesmo não-crentes. Até curso pra isso já existe.

Romano Amerio de novo nas livrarias


O famoso livro, Iota Unum, de Romano Amerio, voltará às livrarias. Há muitos anos sumido das prateleiras, o livro retorna num momento crítico e histórico: aquele do levantamento das excomunhões dos bispos lefebvrianos. Coincidência? Talvez. Mas que é no mínimo curioso que a notícia da reedição do livro sai no mesmo dia da carta de Bento XVI aos bispos isso é. Além de que o seu lançamento está previsto para próximo da publicação da nova encíclica do papa. O texto trata exclusivamente da Igreja pós-Vaticano II e sua relação com a vivência da fé católica antes de sua realização. Será a editora Lindau, de Milão, a responsável pela nova edição, que teve sua última em 1985.

Betto e a "distribuição de excomunhões"

Santo Deus! Acabo de comentar Coelho e sua estreiteza canônica e deparo-me com Betto em coluna do Estado de Minas repetindo alguns dos mesmas equívocos: "não apoio a postura do arcebispo de Olinda e Recife ao exigir de uma criança de 9 anos assumir uma gravides indesejada sobre grave risco à sua sobrevivência física e ainda excomungar os que a ajudaram a interrompê-la." Betto sabe
que a excomunhão é automática no caso do aborto. Mas por que não o deixa claro em seu texto?

Coelho e sua estreiteza canônica

Sou assíduo leitor da Folha. Leio todo dia as colunas da Ilustrada. Claro que gosto mais de uns do que de outros de seus colunistas. E quem, se existe alguém, anda por aqui sabe de minhas preferências. Ontem, quarta, li Marcelo Coelho. Coelho quis dar pitaco em assunto que não entende. E ficou feio. Não leu o Código de Direito Canônico (CIC), e acha que o bispo sai dando excomunhão aqui e ali per fas et per nefas (a torto e a direito). Afirma: "A atitude desse arcebispo é tão estreita e sem caridade, que fica até vulgar criticá-la como merece. Mas quando leio que o padrasto, o homem acusado de estuprar a menina, não foi excomungado, não resisto à tentação." A forma como arcebispo trouxe ao publico o caso pode ter sido equivocada na estratégia, mas a excomunhão está prevista no CIC. O bispo não decide se "dá" ou não a excomunhão. no caso de aborto. E mais "A atitude desse arcebispo é tão estreita e sem caridade, que fica até vulgar criticá-la". Estreito é querer falar de algo que não se entende, Coelho. Vulgar sou eu estar comentando sua coluna.

Carta de Bento XVI aos bispos sobre levantamento das excomunhões

Eis carta de Bento XVI sobre o levantamento das excomunhões dos lefebvrianos para os bispos de todo o mundo publicada hoje pelo Vaticano:

CARTA DE SUA SANTIDADE BENTO XVI

AOS BISPOS DA IGREJA CATÓLICA

a propósito da remissão da excomunhão

aos quatro Bispos consagrados pelo Arcebispo Lefebvre

Amados Irmãos no ministério episcopal!

A remissão da excomunhão aos quatro Bispos, consagrados no ano de 1988 pelo Arcebispo Lefebvre sem mandato da Santa Sé, por variadas razões suscitou, dentro e fora da Igreja Católica, uma discussão de tal veemência como desde há muito tempo não se tinha experiência. Muitos Bispos sentiram-se perplexos perante um facto que se verificou inesperadamente e era difícil de enquadrar positivamente nas questões e nas tarefas actuais da Igreja. Embora muitos Bispos e fiéis estivessem, em linha de princípio, dispostos a considerar positivamente a decisão do Papa pela reconciliação, contra isso levantava-se a questão acerca da conveniência de semelhante gesto quando comparado com as verdadeiras urgências duma vida de fé no nosso tempo. Ao contrário, alguns grupos acusavam abertamente o Papa de querer voltar atrás, para antes do Concílio: desencadeou-se assim um avalanche de protestos, cujo azedume revelava feridas que remontavam mais além do momento. Por isso senti-me impelido a dirigir-vos, amados Irmãos, uma palavra esclarecedora, que pretende ajudar a compreender as intenções que me guiaram a mim e aos órgãos competentes da Santa Sé ao dar este passo. Espero deste modo contribuir para a paz na Igreja.

Uma contrariedade que eu não podia prever foi o facto de o caso Williamson se ter sobreposto à remissão da excomunhão. O gesto discreto de misericórdia para com quatro Bispos, ordenados válida mas não legitimamente, de improviso apareceu como algo completamente diverso: como um desmentido da reconciliação entre cristãos e judeus e, consequentemente, como a revogação de quanto, nesta matéria, o Concílio tinha deixado claro para o caminho da Igreja. E assim o convite à reconciliação com um grupo eclesial implicado num processo de separação transformou-se no seu contrário: uma aparente inversão de marcha relativamente a todos os passos de reconciliação entre cristãos e judeus feitos a partir do Concílio – passos esses cuja adopção e promoção tinham sido, desde o início, um objectivo do meu trabalho teológico pessoal. O facto de que esta sobreposição de dois processos contrapostos se tenha verificado e que durante algum tempo tenha perturbado a paz entre cristãos e judeus e mesmo a paz no seio da Igreja, posso apenas deplorá-lo profundamente. Disseram-me que o acompanhar com atenção as notícias ao nosso alcance na internet teria permitido chegar tempestivamente ao conhecimento do problema. Fica-me a lição de que, para o futuro, na Santa Sé deveremos prestar mais atenção a esta fonte de notícias. Fiquei triste pelo facto de inclusive católicos, que no fundo poderiam saber melhor como tudo se desenrola, se sentirem no dever de atacar-me e com uma virulência de lança em riste. Por isso mesmo sinto-me ainda mais agradecido aos amigos judeus que ajudaram a eliminar prontamente o equívoco e a restabelecer aquela atmosfera de amizade e confiança que, durante todo o período do meu pontificado – tal como no tempo do Papa João Paulo II –, existiu e, graças a Deus, continua a existir.

Outro erro, que lamento sinceramente, consiste no facto de não terem sido ilustrados de modo suficientemente claro, no momento da publicação, o alcance e os limites do provimento de 21 de Janeiro de 2009. A excomunhão atinge pessoas, não instituições. Um ordenação episcopal sem o mandato pontifício significa o perigo de um cisma, porque põe em questão a unidade do colégio episcopal com o Papa. Por isso a Igreja tem de reagir com a punição mais severa, a excomunhão, a fim de chamar as pessoas assim punidas ao arrependimento e ao regresso à unidade. Passados vinte anos daquelas ordenações, tal objectivo infelizmente ainda não foi alcançado. A remissão da excomunhão tem em vista a mesma finalidade que pretende a punição: convidar uma vez mais os quatro Bispos ao regresso. Este gesto tornara-se possível depois que os interessados exprimiram o seu reconhecimento, em linha de princípio, do Papa e da sua potestade de Pastor, embora com reservas em matéria de obediência à sua autoridade doutrinal e à do Concílio. E isto traz-me de volta à distinção entre pessoa e instituição. A remissão da excomunhão era um provimento no âmbito da disciplina eclesiástica: as pessoas ficavam libertas do peso de consciência constituído pela punição eclesiástica mais grave. É preciso distinguir este nível disciplinar do âmbito doutrinal. O facto de a Fraternidade São Pio X não possuir uma posição canónica na Igreja não se baseia, ao fim e ao cabo, em razões disciplinares mas doutrinais. Enquanto a Fraternidade não tiver uma posição canónica na Igreja, também os seus ministros não exercem ministérios legítimos na Igreja. Por conseguinte, é necessário distinguir o nível disciplinar, que diz respeito às pessoas enquanto tais, do nível doutrinal em que estão em questão o ministério e a instituição. Especificando uma vez mais: enquanto as questões relativas à doutrina não forem esclarecidas, a Fraternidade não possui qualquer estado canónico na Igreja, e os seus ministros – embora tenham sido libertos da punição eclesiástica – não exercem de modo legítimo qualquer ministério na Igreja.

À luz desta situação, é minha intenção unir, futuramente, a Comissão Pontifícia «Ecclesia Dei» – instituição competente desde 1988 para as comunidades e pessoas que, saídas da Fraternidade São Pio X ou de idênticas agregações, queiram voltar à plena comunhão com o Papa – à Congregação para a Doutrina da Fé. Deste modo torna-se claro que os problemas, que agora se devem tratar, são de natureza essencialmente doutrinal e dizem respeito sobretudo à aceitação do Concílio Vaticano II e do magistério pós-conciliar dos Papas. Os organismos colegiais pelos quais a Congregação estuda as questões que se lhe apresentam (especialmente a habitual reunião dos Cardeais às quartas-feiras e a Plenária anual ou bienal) garantem o envolvimento dos Prefeitos de várias Congregações romanas e dos representantes do episcopado mundial nas decisões a tomar. Não se pode congelar a autoridade magisterial da Igreja no ano de 1962: isto deve ser bem claro para a Fraternidade. Mas, a alguns daqueles que se destacam como grandes defensores do Concílio, deve também ser lembrado que o Vaticano II traz consigo toda a história doutrinal da Igreja. Quem quiser ser obediente ao Concílio, deve aceitar a fé professada no decurso dos séculos e não pode cortar as raízes de que vive a árvore.

Dito isto, espero, amados Irmãos, que tenham ficado claros tanto o significado positivo como os limites do provimento de 21 de Janeiro de 2009. Mas resta a questão: Tal provimento era necessário? Constituía verdadeiramente uma prioridade? Não há porventura coisas muito mais importantes? Certamente existem coisas mais importantes e mais urgentes. Penso ter evidenciado as prioridades do meu Pontificado nos discursos que pronunciei nos seus primórdios. Aquilo que disse então permanece inalteradamente a minha linha orientadora. A primeira prioridade para o Sucessor de Pedro foi fixada pelo Senhor, no Cenáculo, de maneira inequivocável: «Tu (…) confirma os teus irmãos» (Lc 22, 32). O próprio Pedro formulou, de um modo novo, esta prioridade na sua primeira Carta: «Estai sempre prontos a responder (…) a todo aquele que vos perguntar a razão da esperança que está em vós» (1 Ped 3, 15). No nosso tempo em que a fé, em vastas zonas da terra, corre o perigo de apagar-se como uma chama que já não recebe alimento, a prioridade que está acima de todas é tornar Deus presente neste mundo e abrir aos homens o acesso a Deus. Não a um deus qualquer, mas àquele Deus que falou no Sinai; àquele Deus cujo rosto reconhecemos no amor levado até ao extremo (cf. Jo 13, 1) em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. O verdadeiro problema neste momento da nossa história é que Deus possa desaparecer do horizonte dos homens e que, com o apagar-se da luz vinda de Deus, a humanidade seja surpreendida pela falta de orientação, cujos efeitos destrutivos se manifestam cada vez mais.

Conduzir os homens para Deus, para o Deus que fala na Bíblia: tal é a prioridade suprema e fundamental da Igreja e do Sucessor de Pedro neste tempo. Segue-se daqui, como consequência lógica, que devemos ter a peito a unidade dos crentes. De facto, a sua desunião, a sua contraposição interna põe em dúvida a credibilidade do seu falar de Deus. Por isso, o esforço em prol do testemunho comum de fé dos cristãos – em prol do ecumenismo – está incluído na prioridade suprema. A isto vem juntar-se a necessidade de que todos aqueles que crêem em Deus procurem juntos a paz, tentem aproximar-se uns dos outros a fim de caminharem juntos – embora na diversidade das suas imagens de Deus – para a fonte da Luz: é isto o diálogo inter-religioso. Quem anuncia Deus como Amor levado «até ao extremo» deve dar testemunho do amor: dedicar-se com amor aos doentes, afastar o ódio e a inimizade, tal é a dimensão social da fé cristã, de que falei na Encíclica Deus caritas est.

Em conclusão, se o árduo empenho em prol da fé, da esperança e do amor no mundo constitui neste momento (e, de formas diversas, sempre) a verdadeira prioridade para a Igreja, então fazem parte dele também as pequenas e médias reconciliações. O facto que o gesto submisso duma mão estendida tenha dado origem a um grande rumor, transformando-se precisamente assim no contrário duma reconciliação é um dado que devemos registar. Mas eu pergunto agora: Verdadeiramente era e é errado ir, mesmo neste caso, ao encontro do irmão que «tem alguma coisa contra ti» (cf. Mt 5, 23s) e procurar a reconciliação? Não deve porventura a própria sociedade civil tentar prevenir as radicalizações e reintegrar os seus eventuais aderentes – na medida do possível – nas grandes forças que plasmam a vida social, para evitar a segregação deles com todas as suas consequências? Poderá ser totalmente errado o facto de se empenhar na dissolução de endurecimentos e de restrições, de modo a dar espaço a quanto nisso haja de positivo e de recuperável para o conjunto? Eu mesmo constatei, nos anos posteriores a 1988, como, graças ao seu regresso, se modificara o clima interno de comunidades antes separadas de Roma; como o regresso na grande e ampla Igreja comum fizera de tal modo superar posições unilaterais e abrandar inflexibilidades que depois resultaram forças positivas para o conjunto. Poderá deixar-nos totalmente indiferentes uma comunidade onde se encontram 491 sacerdotes, 215 seminaristas, 6 seminários, 88 escolas, 2 institutos universitários, 117 irmãos, 164 irmãs e milhares de fiéis? Verdadeiramente devemos com toda a tranquilidade deixá-los andar à deriva longe da Igreja? Penso, por exemplo, nos 491 sacerdotes: não podemos conhecer toda a trama das suas motivações; mas penso que não se teriam decidido pelo sacerdócio, se, a par de diversos elementos vesgos e combalidos, não tivesse havido o amor por Cristo e a vontade de anunciá-Lo e, com Ele, o Deus vivo. Poderemos nós simplesmente excluí-los, enquanto representantes de um grupo marginal radical, da busca da reconciliação e da unidade? E depois que será deles?

É certo que, desde há muito tempo e novamente nesta ocasião concreta, ouvimos da boca de representantes daquela comunidade muitas coisas dissonantes: sobranceria e presunção, fixação em pontos unilaterais, etc. Em abono da verdade, devo acrescentar que também recebi uma série de comoventes testemunhos de gratidão, nos quais se vislumbrava uma abertura dos corações. Mas não deveria a grande Igreja permitir-se também de ser generosa, ciente da concepção ampla e fecunda que possui, ciente da promessa que lhe foi feita? Não deveremos nós, como bons educadores, ser capazes também de não reparar em diversas coisas não boas e diligenciar por arrastar para fora de mesquinhices? E não deveremos porventura admitir que, em ambientes da Igreja, também surgiu qualquer dissonância? Às vezes fica-se com a impressão de que a nossa sociedade tenha necessidade pelo menos de um grupo ao qual não conceda qualquer tolerância, contra o qual seja possível tranquilamente arremeter-se com aversão. E se alguém ousa aproximar-se do mesmo – do Papa, neste caso – perde também o direito à tolerância e pode de igual modo ser tratado com aversão sem temor nem decência.

Amados Irmãos, nos dias em que me veio à mente escrever-vos esta carta, deu-se o caso de, no Seminário Romano, ter de interpretar e comentar o texto de Gal 5, 13-15. Notei com surpresa o carácter imediato com que estas frases nos falam do momento actual: «Não abuseis da liberdade como pretexto para viverdes segundo a carne; mas, pela caridade, colocai-vos ao serviço uns dos outros, porque toda a lei se resume nesta palavra: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Se vós, porém, vos mordeis e devorais mutuamente, tomai cuidado em não vos destruirdes uns aos outros». Sempre tive a propensão de considerar esta frase como um daqueles exageros retóricos que às vezes se encontram em São Paulo. E, sob certos aspectos, pode ser assim. Mas, infelizmente, este «morder e devorar» existe também hoje na Igreja como expressão duma liberdade mal interpretada. Porventura será motivo de surpresa saber que nós também não somos melhores do que os Gálatas? Que pelo menos estamos ameaçados pelas mesmas tentações? Que temos de aprender sempre de novo o recto uso da liberdade? E que devemos aprender sem cessar a prioridade suprema: o amor? No dia em que falei disto no Seminário Maior, celebrava-se em Roma a festa de Nossa Senhora da Confiança. De facto, Maria ensina-nos a confiança. Conduz-nos ao Filho, de Quem todos nós podemos fiar-nos. Ele guiar-nos-á, mesmo em tempos turbulentos. Deste modo quero agradecer de coração aos numerosos Bispos que, neste período, me deram comoventes provas de confiança e afecto, e sobretudo me asseguraram a sua oração. Este agradecimento vale também para todos os fiéis que, neste tempo, testemunharam a sua inalterável fidelidade para com o Sucessor de São Pedro. O Senhor nos proteja a todos nós e nos conduza pelo caminho da paz. Tais são os votos que espontaneamente me brotam do coração neste início da Quaresma, tempo litúrgico particularmente favorável à purificação interior, que nos convida a todos a olhar com renovada esperança para a meta luminosa da Páscoa.

Com uma especial Bênção Apostólica, me confirmo

Vosso no Senhor

BENEDICTUS PP. XVI

Vaticano, 10 de Março de 2009.

Carta de Bento XVI aos bispos sobre "caso Willianson"

O papa Bento XVI enviará uma carta de sete páginas aos bispos de todo o mundo tratando sobre o "caso Willianson". Ratzinger lamenta o grau de incompreensão que ascendeu depois do levantamento da escomunhão dos quatro bispos lefebvrianos. O conteúdo completo da carta será publicada ao meio dia de amanhã. Quem dá a notícia é Andrea Tornielli. Corriere , La Stampa e La Repubblica também dão a notícia.

"Foi excomungado, e daí?"

É de se espantar a forma como a mídia em geral tratou a questão do aborto de gêmeos da criança em Pernambuco e da posição de D. José. Da mídia, passamos para aqueles leitores, então, que depois de lido as matérias permeadas de tom sensacionalista, que passam a repetir igualzinho, tudo, o que o jornal 'x' ou 'y' falou. A falta de noção sobre o que significa uma excomunhão, ainda mais latae sententiae, do Código de Direito Canônico, da dinâmica que a Igreja se insere, "uma luz do eterno", como nos diz Voegelin, inserida na realidade contingente, é assustadora. Ok, ok. É demais o que peço. Entendo que nem todos sabem disso ou daquilo. Ainda mais da Igreja, que tem uma história milenar, e demandaria uma vida inteira para tentarmos apreender pelo menos alguns de seus aspectos. Mas, mesmo assim, todo mundo quer falar. Todo mundo tem uma opinião pra dar sobre a posição da Igreja nisso ou naquilo. Se a Igreja não tem força alguma atualmente, se perde seus fiéis devido seu discurso "fechado" e "conservador", se sua fala não tem plausibilidade nenhuma no mundo atual, como falam os seus detratores, por que então uma excomunhão, uma simples excomunhão faz tanto barulho assim? Se ninguém está nem aí para a Igreja e o que ela fala e desfala, por qual motivo uma punição a quem cometeu um aborto, que é automática no caso, não "distribuída" pelo bispo, leva tanta gente a se levantar contra esse bispo e a Igreja. Até o presidente Lula da Silva vem dar pitaco numa questão que é estritamente religiosa!? Será que não se está misturando as bolas? Faço as minhas as palavras de Heitor Cony hoje na Folha: "Foi excomungado, e daí?"
Aqui vai um depoimento que talvez nunca será publicado pela imprensa. Ainda bem que existe a blogosfera!

Cardeal Martini na mira da FSSPX

O cardeal Carlo Maria Martini está na mira dos lefevrianos. Para eles, Martini é tão subversivo quanto Hans Küng. No editorial de seu prório site, os lefebvrianos dizem-se preocupados, porque enquanto Küng é marginal à Igreja, Martini está dentro, podendo, assim, oferecer maiores perigos. O que trouxe essa reação dos lefebvrianos é o livro do cardeal, Conversazioni notturne a Gerusalemme, no qual Martini expõe de forma clara o que pensa sobre o mundo e o papel da Igreja. Reportagem no La Stampa.

La Stampa e La Repubblica dá notícia sobre excomunhões no Brasil

Na Itália, no La Stampa e no La Repubblica, ressoa a excomunhão daqueles envolvidos no aborto da criança de 9 anos no nordeste.

Blog A cinza do purgatório

Amigos, raros e importantíssimos, que passam por aqui. Como é de notar-se, esse blog é exclusivamente, ou quase, um blog sobre questões que levanto nessa minha vida acadêmica que tem como objeto a Igreja Católica Apostólica Romana. Coleciono aqui notícias, reflexões de textos publicados também em jornal impresso, referências de alguns livros sobre o assunto, notícias do mundo sobre a Igreja, etc. Já deu pra notar que minha obsessão teórica é o Concílio Vaticano II. Já até conversei uma vez com Andrea e Rodolfo sobre os motivos de um blog, pra quê escrever algo para deixar andando por aí no mundo virtual. Pensei até acabar de vez com essa história. Decidi continuar, e sim, acredito que alguns temas aqui tratados não estão disponíveis para a "massa", pelo menos a reflexão que se constrói sobre eles. Porém, com o passar do tempo (pois tinha um outro blog que "matei", depois veio esse), fui ficando meio cansado também só dessa linguagem daqui do perfasetpernefas. Desejei e concretizei a idéia de um outro blog, mais livre, que pudesse mostrar também um pouco de mim, que não é só esse daqui, que não se resume apenas em informação, notícias e reflexões históricas e historiográficas sobre a Igreja. Dessa forma, comecei anteontem um novo blog (A cinza do purgatório), sem compromisso com nada, apenas de me divertir mais um pouco, de forma mais descompromissada. Mas, se quiserem continuar a ler reflexões teóricas e afins sobre a Igreja Católica é aqui mesmo. Continuo firme no que propus.

Blair: contra o "laicismo agressivo"

Tony Blair, o último primeiro-ministro da Inglaterra faz coro com Sarkozy: para ele o "laicismo agressivo" pode acabar marginalizando o cristianismo no país. Afirma: "penso que as pessoas deveriam estar orgulhosas de sua fé cristã e poder expressá-la como desejam". A matéria sobre as palavras de Blair saíram na The Church of England News Paper. Comentários em espanhol podem ser lidos aqui e em inglês aqui.

Pio XII, o nazismo e o comunismo

O Vaticano divulga documentos da época de Pio XII, especificamente 1943, no qual o papa Pacelli ordena que mosteiros dêem cobertura judeus, de acordo com a Radio Vaticana. Não é novidade que Pio XII é visto por muitos (principalmente pela visão deturpada de John Cornwell, que fez um deserviço à história com sua obra O papa de Hitler) como um antissemita e que não teria agido mais radicalmente na defesa do povo judeu. O que chama atenção é que os mesmo que querem o papa como um antissemita batem palmas para o fato de que o Concílio Vaticano II não deu uma palavra se quer sobre os massacres que ocorriam nos países comunistas. Seria melhor o silêncio para evitar mais perseguição. Aí está uma das incongruências históricas que ainda não se resolveram: a benevolência ilusória frente ao comunismo e a dureza frente ao nazismo. Duas pragas do século XX.

Mais um

A imprensa não para de achar lefebvristas/lefebvrianos (penso em mudar para o segundo conceito) nazi-fascistas ou só mesmo fascistas por todos os lugares. Mais um na Itália. É Giulio Tam, que se denomina como "jesuíta itinerante", mas que agora encontra-se em Bergamo. Na mesma cidade sucedeu-se um cortejo do partido de direita Forza Nuova. E lá estava Tam. Segundo o jornal, fazia, como pode ser visto na foto, o sinal fascista. Sem exageros, né? Será que ele não estava apenas dando um tchauzinho ("ciaozinho") pro povo?

Anuário Pontifício 2009

Segundo o Anuário Pontifício 2009, que registra o número de bispos, sacerdotes, diáconos e fiéis, entre outras informações, aumentou o número de católicos no mundo. De acordo com o anuário, a população católica do mundo chegou nesses dois últimos anos a 17,3 % da população mundial, com crescimento de 1,4% anual. De 1 bilhão e 131 milhões em 2007 chegou-se a 1 bilhão e 141 milhões de católicos. O crescimento foi maior na África, Oceania e Ásia.

O turbilhão lefebvrista

O levantamento das excomunhões dos bispos sagrados por Marcel Lefebvre e Antônio de Castro Mayer em 1988 trouxe para os meios católicos inúmeras dúvidas e questões. Muita gritaria ouviu-se por todos os cantos do mundo, principalmente quando venho à tona que um daqueles bispos, o britânico Richard Willianson, é, como se diz no jargão histórico, um negacionista, ou seja, nega que teria havido a morte de 6 milhões de judeus na Segunda Grande Guerra. A predisposição de Bento XVI em levantar unilateralmente as excomunhões pode ser considerado como um ato de benevolência do papa, além de especialmente apropriado para que a Igreja recobre a sua unidade e acabe de vez com o cisma do século XX. Contudo, a gritaria geral, principalmente nos círculos progressistas, pautou-se na idéia de que Bento XVI, como um papa da “restauração”, deseja com a atitude dar marcha-ré ao processo iniciado pelo Concílio Vaticano II e levar a Igreja à situação “pré-conciliar”. Como disse na coluna passada, a complexidade se impõe frente às reduções ideológicas. A intenção do Bento XVI é mais que clara e pode ser lida em seu discurso aos cardeais no Natal de 2005, primeiro ano de seu pontificado: deve-se privilegiar a hermenêutica contínua em vez da hermenêutica da ruptura do Vaticano II, que, segundo ele, é uma das culpadas pela crise que se instalou na Igreja depois do evento conciliar. Devemos relembrar alguns fatos: em 1976 Lefebvre é suspenso a divinis por não obedecer a ordem vinda da Santa Sé de que deveria dissolver a FSSPX (Fraternidade Sacerdotal São Pio X). Aumenta o tom de denuncia contra a “Igreja conciliar” e, em 1988, quando sagra quatro novos bispos da FSSPX sem mandato pontifício é excomungado junto com eles. O cisma está feito. E ainda não foi sanado.
O levantamento das excomunhões por Bento XVI não resolve o problema. Assim como o levantamento das excomunhões recíprocas entre Roma e Constantinopla por Paulo VI e Atenágoras não fez com que retornasse a unidade entre a Igreja Romana e as Igrejas Ortodoxas orientais. É preciso notar que o levantamento das excomunhões, em ambos os casos, deve ser interpretado como o primeiro passo para que o cisma seja suprimido. Em tempos de ecumenismo, como proposto pelo próprio Vaticano II em seu decreto Unitatis Redintegratio, um ato de concórdia como esse é sempre bem vindo. Entretanto, a mídia em geral espalha a notícia, com seu tom característico de sensacionalismo, como se a FSSPX tivesse já sido novamente inserida no seio da Igreja, o que não procede.
O agravante das incompreensões, de acordo com o vaticanista Sandro Magister, foi a ressonância da entrevista de um dos padres beneficiados pelo levantamento da excomunhão, Richard Willianson. A sua infeliz e alucinante posição negacionista repercutiu muito mal, como não poderia ser diferente. Tal entrevista, exibida pela televisão sueca em primeiro de novembro de 2008 foi difundida exatamente no mesmo dia em que o decreto era assinado pelo papa. Assim, a primeira notícia que circulou por sites e jornais por todo o mundo foi a de que o papa absolvia a excomunhão dos lefebvristas e acolhia na Igreja um bispo negacionista. Levantaram-se vozes de protestos por todo o mundo, inclusive com o Rabinato de Jerusalém cortando relações com o Vaticano. Os protestos só são atenuados em 28 de janeiro quando o papa intervém com dois esclarecimentos em sua audiência geral das quartas-feiras: primeiro, os lefebvristas devem reconhecer a autoridade do papa e do Concílio Vaticano II; segundo, devem reconhecer a verdade histórica da Shoah (massacre perpetrado contra os judeus durante a Segunda Guerra Mundial e que resultou na morte de 6 milhões de pessoas). As perguntas que Magister se coloca e logo lança algumas hipóteses são as seguintes: tudo isso era inevitável, uma vez que o papa havia decidido sobre o levantamento das excomunhões? Ou o desastre foi produzido por erros e omissões daqueles que deveriam colocar em andamento as decisões do papa? Para o vaticanista, os fatos apontam para a segunda hipótese, ou seja, o problema foi a Cúria. O decreto, como se sabe, tem a assinatura do cardeal Giovanni Battista Re, prefeito da Congregação para os Bispos. Porém, Re diz que não sabia da perspectiva negacionista de Willianson. Outro cardeal, responsável pelo diálogo com os lefebvristas e que se ocupa do caso desde 1988 como presidente da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, Darío Castrillón Hoyos, também diz que não sabia dessa face do bispo Willianson. Mas isso não era a obrigação dos dois cardeais? Num caso tão delicado como esse, os cardeais responsáveis pelo documento não sabiam de tão grave posicionamento do lefebvrista britânico? Um cardeal que surpreendentemente ficou fora das discussões, segundo Magister, foi Walter Kasper, chefe do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Surpreendente porque o documento de levantamento das excomunhões veio a publico durante a anual semana de oração pela unidade dos cristãos e há poucos dias antes da jornada mundial da memória da Shoah. Mais surpresa: no dia 17 de janeiro sucedeu-se a jornada para o diálogo entre católicos e judeus. Descompasso completo. Tudo teria se dado mais tranquilamente se tivesse havido um equilíbrio entre os eventos e passos compassados entre os escritórios responsáveis de colocar em andamento as disposições papais. Para Magister, a culpa de tanto desencontro teria sido dos escritórios da Cúria que receberam os comandos. Escritórios que se resumem na Secretaria de Estado, ponta da máquina curial com acesso direto ao papa. Afirma: “Que o papa Ratzinger tinha renunciado a reforma da Cúria todos já sabiam [...] teria desistido da idéia confiando a guia dos escritórios a um secretário de Estado dinâmico e de pulso, Bertone.” Contudo, o que Magister parece sugerir é que Tarcísio Bertone e a Secretaria de Estado foram os responsáveis por tamanho turbilhão. Parece que uma idéia de reforma da Cúria ganha força.

Simpósios sobre ciências das religiões, teologia, filosofia e literatura em BH

Vai acontecer entre os dias 5 e 7 de maio na PUC-Minas, em Belo Horizaonte, o III Simpósio Internacional de Teologia e Ciências das Religiões, com o tema "Consciência planetária e religião". As inscrições vão até 16 de março e podem ser feitas aqui.

no segundo semestre teremos também em BH, o V Simpósio Filosófico-Teológico entre os dias 9 e 11 de setembro de 2009, com o tema "Literatura - provocação para o pensar filosófico e teológico". Mais informações aqui.

"Esse obscuro objeto de desejo": o Vaticano II

Passei de novo os olhos no post passado e vi que em vez de falar de uma "supervalorização" do Vaticano II, como afirma Kurt Flasch, diria que é sim uma hipervalorização ... Emile Poulat, em seu une Église ébranlée: changement, conflit et continuité de Pie XII á Jean-Paul II, de 1980 trazia sua lúcida tese. No terceiro ponto do capítulo XIV, L'année des trois papes (1978), Poulat fala em "fin d'une tradition, persistance d'un modèle". Cita Congar lá pelas tantas: "Les termes du sicut acies ordinata (une armée disciplinée et organisée pour le combat) ou de societas perfecta *(société complète jouissant de tous les moyens de sa vie propre) sont ici parfaitement en place". Poulat confirma a tese do dominicano. Contrariamente do que se crê alguns tantos, diz o historiador, o Vaticano II não colocou em causa nem modificou substancialmente aquele modelo. Ele antes procedeu a reequilíbrios , confimando aquisições, podando galhos mortos...("Il a plutôt procédé à des rééquilibrages, entérinant des acquisitions, élaguant son bois mort [...]"). Já devo ter falado isso milhares de vez, mais aí vai, mais uma vez: a questão sobre continuidade e descontinuidade da Igreja com o Vaticano II pode também ser discutida apenas a partir do olhar histórico, sem necessidade de recorrer a elementos teológicos, que claro, enriquecem o esquema, mas possibilita também ser colocado em xeque exatamente por isso por aqueles que o hipervalorizam. Teologicamente deveria recorrer à comunidade primitiva, a primazia de Pedro, a tradição apostólica. Discutindo historicamente, como o faz Poulat, nota-se que as "aquisições" e "podas" que nos diz referem-se a toda história anterior ao evento conciliar que, por isso mesmo, possibilitou a sua realização. A hipervalorização, seja de esquerda ou de direita, decorre de um mito, aquele no qual, a partir de uma leitura fictícia e onírica dos eventos, "desejava" que fosse assim assado. Esse "obscuro objeto de desejo", para lembrar Buñuel e dar uma arejada ao texto, mistura as dimensões e já não se sabe mais o que é o evento, o que é a história do evento, o que o levou, o que veio dele e assim por diante. Falar do concílio é exercício de julgamento e de desejo. E aí parece que as duas ações têm uma relação promíscua. Tanto o desejar quanto o julgar mesclam-se com a idéia do "que foi". Inacessível pela sua natureza temporal. O que temos é a história efeitual como nos falaria Hans-Georg Gadamer. Analisando historicamente, a questão que emerge são os efeitos e não o evento. Nossa leitura do evento condiciona-se sim aos próprios efeitos que emanam como ondas por estes 50 anos. Sofremos os efeitos dos olhares, das compreensões, das interpretações, dos preconceitos que se acumularam por todos esses anos. E é também a partir dessa "massa efeitual" que se constrói mais elementos para compô-la. A hipervalorização é um de seus efeitos. Nem mais, nem menos.


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*Não concordo em parte com a afirmativa. Não vejo o societas perfecta imperando assim como quer dizer. A eclesiologia do Vaticano II, uma das maiores preocupações de Paulo VI, tentou um reequilíbrio entre a eclesiologia tridentina e do Vaticano I, marcada pelo dogma da infalibilidade, e aquela assinalada pela colegialidade (notem bem que aqui também há uma questão. O papa, na dita "semana negra" para o episcopado holandês, interviu nos trabalhos e "deu" a receita, a Nota Praevia, de como o texto deveria ser compreendido.

Vaticano II "supervalorizado"

O Vaticano II foi um momento "supervalorizado" para muitos católicos. É o que diz o filósofo e medievalista alemão Kurt Flasch ao analisar a conjuntura eclesial em artigo no Le monde, publicado no iHu.

Assim afirma: "É verdade, o Vaticano II trouxe algo novo no que se refere à liberdade religiosa e à exegese bíblica, mas sem nada tirar do primado do bispo de Roma, nem do primado da jurisdição do papa. Para o Colégio episcopal, o concílio realizou viradas de pouca importância, teológico-cosméticas em suma, sem verdadeiros efeitos sobre o direito canônico. Uma enorme propaganda unida a uma colocação em cena espetacular, fizeram aparecer o Vaticano II mais revolucionário de quanto não tenha sido na realidade, e a central romana luta há décadas contra esta percepção, que é antes uma autopersuasão."