Fora alguns nostálgicos, os mitos do século XIX e início do XX estão sendo lentamente abandonados. O progresso que caminha incansável rumo ao reino imanente, o fim da história como uma especulação historicista, a ciência libertadora e emancipatória, todos esses mitos caíram um a um, juntamente dos corpos carbonizados por revoluções e guerras incansáveis, sempre em nome do avançar da história. Sobre os escombros da débâcle dos mitos modernos o que vêm à tona é o nada e a solidão pós-moderna. De um otimismo exacerbado na ciência e suas benesses, entramos em um tempo no qual o que prevalece é o pessimismo e o desnorteamento frente a qualquer discurso que vise construir e admitir algum tipo de sentido nesse turbilhão marcado pela ansiedade existencial. Sobre os escombros de uma modernidade orgulhosa e soberba o que emerge é um homem desorientado à procura. De quê? De si mesmo. Em meio a tanta descrença e desesperança o homem quer saber quem é ele, qual o sentido da vida, o porquê da existência.
De fato, a grande aventura humana sempre foi marcada pela busca de si mesma, pelo o que me aproxima do outro, pelo que me faz mais humano. Isso não é um privilégio do tempo presente. Tal busca constitui o âmago do ser. Contudo, no mundo contemporâneo, marcado por fundamentalismos e relativismos, várias são as tentativas de banir a própria possibilidade de se formular as perguntas que nos levam a vislumbrar respostas sobre “quem sou eu”. Impedidos, perdemos o que existe de mais humano em nós, reificando-nos. Tais tentativas, veladas pelo manto de uma utilização duvidosa do conceito de “tolerância” e “multiculturalismo”, diminuem o homem em seu aspecto mais peculiar, daquele ser que pergunta, que procura, que deseja respostas, que visa o Todo. Presenciamos assim, parafraseando Horkheimer, o “eclipse da razão”.
Por outro lado, a razão pode ser eclipsada, mas não totalmente proscrita, pois se assim fizesse seria a idiotização do homem e seu posterior aniquilamento espiritual. O lançar-se na busca da justiça, da verdade, da bondade, da liberdade e da felicidade faz parte dos mais íntimos interstícios do homem e marca indelevelmente o seu caminhar. Muitos são os filósofos, teólogos e estudiosos que se envolveram na busca e na pesquisa desse fundamento do ser do homem por milhares de anos.
Podemos afirmar que a partir dessas exigências elementares o homem torna-se homem, humaniza-se, encontra com o semelhante, interage, cria a arte, a ciência, a filosofia, a religião e as civilizações. Desse impulso para viver em busca de respostas às exigências primordiais, dessa sede que nunca se farta de procurar por novos mananciais de água fresca do Todo é que nasce a história humana, tempo que escorre pelas nossas mãos e se derrama num grito de “por que”.
O filósofo espanhol Xavier Zubiri (1898-1983) nos fala que a busca de descobrir os significados das coisas, do sentido, constituiu e permeou a vida simbólica do homem, levando-o a se defrontar irremediavelmente com o problema de Deus. Qualquer que seja a resposta dada pelo homem a esse problema, – seja o ateísmo, o teísmo ou o agnosticismo –, este homem não tem a consciência de que a sua resposta é dada a uma questão anterior, isto é, a “um problema que subjaz às suas crenças”. Dessa forma, o ponto que está em questão é o enfrentamento inexorável do homem, indistintamente, com o que denomina de dimensão última do real.
Zubiri, deseja chamar atenção para o fato de que tal dimensão é algo estrutural da realidade humana. Por isso, o próprio ateísmo está inserido nessa mesma dinâmica de resposta do homem à sua própria condição. É uma resposta a esse enfrentamento com a dimensão última do real. Não uma resposta teológica, mas indubitavelmente teologal: “o problema de Deus, enquanto problema, não é um problema qualquer, arbitrariamente colocado pela curiosidade humana, mas é a realidade humana mesma em sua problematicidade constitutiva”.
A partir da reflexão do grande filósofo, parece que o desafio é fazermos o retorno a nós mesmos. Voltarmos para a nossa constituição mais íntima, deixar brotar nossos desejos mais profundos de amor, liberdade, felicidade e verdade. Voltar-nos e religarmo-nos ao fundamento do ser, pois corremos o sério risco, se não encararmos com seriedade essa tarefa da alma, de entronizar o nada deificado e tornarmo-nos néscios adoradores do vazio.
1 comentários:
Eu acho que a superstição desses tempos não são lobisomens e saci-pereres, mas sim a 'ciencia', ou cientificismo.
E o laicismo, mais forte do que nunca?
O riscoi a que vc alerta no final do artigo é mais do que real: é presente em nosso meio.
ABraços!
P.S.: tenho um conhecido fazendo doutorado sobre Zubiri na Universidad de Navarra!
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