Falar em “verdade” hoje em dia é praticamente visto como um suicídio intelectual e moral. No campo do senso comum que se quer “esclarecido”, qualquer coisa que se diga e que se referencia um “quê” de verdade daquilo que está sendo afirmado é considerado por muitos como simplesmente mais um ato de intolerância ou fundamentalismo. Há muito a idéia de que não existem verdades, mas sim apenas construções sociais das verdades vêm dominando a cena da cultura de massas e até mesmo alguns meios intelectuais. Não existe uma verdade sobre isso ou aquilo, mas verdades construídas por indivíduos que estão inseridos num tempo. “Tudo é histórico”, e nada mais que isso. De fato, sabemos que necessariamente todo discurso é construído por seres inseridos no tempo. Toda fala é dita de um lugar. A nossa consciência hermenêutica – que parece ter crescido em reflexão e propostas – nos leva a tal conclusão. A verdade só se daria, como diz o filósofo italiano Luigi Pareyson, na interpretação histórica, – de modo expressivo (histórico), mas também de maneira revelativa (ontológica) – contudo, sempre de forma inexaurível. Entretanto, no deserto atual do ser cada um se acha dono da verdade, da sua verdade.
A imagem que costumo usar para caracterizar o homem desse mundo é aquela de que somos pequenas “igrejinhas de nós mesmos” ou, para usar uma figura mais forte, “ditaduras de si mesmos”. Claro que essa imagem, levada ao extremo da metáfora, foi sendo construída lentamente através de séculos, passando pela Reforma Protestante, a emergência da ciência moderna com o método cartesiano e o empirismo de Hume, pelo pensamento de Kant e pelas noções políticas surgidas na Revolução Francesa e posteriormente consolidadas nos inúmeros Estados liberais-democráticos que emergiram na sua esteira. Criar um mundo novo, que respirasse a liberdade sem qualquer tipo de constrangimento – e naquele período era a religião o instrumento de organização social – levou o homem ocidental a uma situação peculiar. Livre de possíveis abusos daqueles que se situam no exercício do poder constituído – pelo menos naqueles países que se dizem constitucionalistas – tornaram-se propensos a se pensarem como o início e o fim da autoridade, do conhecimento.
Não podemos negar que o homem do século XX chegou a um extremo na sua auto-compreensão: qualquer tipo de autoridade passou a ser entendida como uma barreira que possivelmente impossibilitaria as minhas escolhas pretensamente livres. Tal ideia nos trouxe a uma confusão que impera na cabeça de muitos, principalmente dos mais jovens, sedentos por respostas: autoridade confundindo-se com autoritarismo. E se uma coisa leva a outra, ou é a outra, nada podemos fazer a não ser negar qualquer tipo de autoridade a fim de sermos realmente livres. “Toda autoridade é opressiva, instrumento de legitimação de uma ‘verdade’ construída e opressora, que não deixa margem para a livre capacidade humana de criar, de se criar”, diriam alguns. De fato, poderíamos concluir momentaneamente com o antropólogo René Girard em seu belo livro Coisas ocultas desde a fundação do mundo que “os modernos imaginam que seus mal-estares e seus dissabores provêm de entraves que opõem os desejos aos tabus culturais, aos interditos culturais, e mesmo em nossos dias às proteções legais dos sistemas judiciários”.
Não faltaram aqueles pensadores que, no decorrer do processo, viram surgir essa espécie de homem, nem um pouco afeito a se submeter a qualquer verdade, já que todas elas, para ele, são apenas frutos de interditos históricos que devem ser colocados ao chão. Ortega y Gasset, por exemplo, afirmava
0 comentários:
Postar um comentário