"Agitation croissante aux alentours du Concile"


As palavras do título do post, de Henri de Lubac, nos dão o panorama sobre esses 50 anos de convocação do Vaticano II: conflito interpretativo sem fim. Em vista da edição do novo livro da "Escola de Bologna", organizado pelo teólogo Giuseppe Ruggieri e pelo historiador Alberto Melloni, "Chi ha paura del Vaticano II" (Edizione Carocci), Sandro Magister publica na Chiesa Espresso, um diálogo muito pertinente entre supostos mestres e alunos, escrito por Francesco Arzillo. De acordo com Magister, Ruggieri e Melloni dizem que o livro não é uma apologia da "Storia del Concilio Vaticano II", obra mais lida em todo o mundo sobre o tema e que é marcada por leitura descontínua do evento conciliar. Contudo, a partir de sua leitura é possível deduzir que "são eles [ os intelectuais de Bologna] os heróicos sentinelas da justa interpretação do Concílio; são eles que não têm "medo" e preservam a sua verdadeira "novidade"; são eles a fazerem aquilo que nem mesmo Bento XVI faz mais: muito diferente em respeito ao jovem Ratzinger que escrevia os discursos explosivos lidos no concílio pelo cardeal Frings".
Abaixo publico todo o "provável diálogo". Fiz uma tradução livre cortando algumas partes . Quem quiser pode conferir o original em italiano no site indicado.


Breve diálogo sobre o concílio, entre um mestre e um aluno

di Francesco Arzillo

O mestre (M.) é um professor de teologia sexagenário, moderadamente progressista, disposto a dialogar com todos; se irrita só com quem aparece pouco propenso a valorizar plenamente o concílio da sua juventude, que ele recorda nos tumultuosos anos de seminário.

O aluno (A.) é mais jovem e não um clérigo; é um pouco irreverente, nunca, porém, sobre o magistério eclesiástico; muitos o consideram um ultraconservador; mas mesmo os tradicionalistas o criticam porque consulta – mesmo se com cautela – os escritos teológicos de Henri de Lubac e defende sempre João XXIII e Paulo VI


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M. – Oi! Sempre com um livro nas mãos. Vejamos um pouco a sua última aquisição.

A. – Ei-lo: “Quem tem medo do Vaticano II?”, organizado por Alberto Melloni e Giuseppe Ruggieri.

M. – Surpreendi-me. Lê Melloni e os teólogos católicos-progressistas por você sempre criticado. Entendo: o titulo do livro referiu-se a seu sentimento de culpa e quis espiar.
A. – Mestre, vejo que não perdeu o hábito de sobrepor a psicanálise à teologia. Eu não tenho sentimento de culpa, ao menos sobre este ponto. Você sabe que tenho sempre aceito com todo o coração o Vaticano II. Como se pode falar hoje da Igreja sem a “Lumen gentium”? Ou da Revelação divina sem a “Dei Verbum”? ou da liturgia sem a “Sacrosanctum Concilium”?
M. – Então, aonde está o problema?

A. – O problema é esta interminável disputa sobre o Concílio, nesse intricadíssimo conflito de interpretações. Certo, os ensaios contidos nesse livro são bastante refinados, contém pontos interessantes, se confrontam com as indicações de Bento XVI. Mas...
M. – Mas?

A. – Eles me evocam a mente – ao menos em parte – ambientes, climas e lugares comuns daquela área católico-progressista que tende a fazer do Concílio um mito. Mas temporizo, não quero etiquetar os autores, uso um indicador ideal-típico e orientador.
M. – A verdade é que você diz que aceita o Concílio, mas com uma reserva mental, porque crítica quem luta pelo Concílio.
A. – Vejo que fala de uma batalha? Eis, propriamente este é o ponto, esta excitação de alguns durante e depois do Concílio, este clima de luta contínua, esta “agitation croissante aux alentours du Concile”: palavras não minhas mas do cardeal Henri de Lubac. E depois este modo de contar a história! A famosa “semana negra”... Mas o que significa? Qual é o valor heurístico desta expressão? Nenhum! Se leio a memória de um ajudante de campo de Napoleão em Waterloo posso compreender que fala de “dias negros”; mas de um historiador contemporâneo, esperava um tom mais calmo, que me faça entender. Ainda de Lubac, no seu livro "Entretien autour de Vatican II", publicado em 1985, fala de uma “linguagem histórico-maniquéia” “qui sous un mode mineur s'est assez largement répandu". Ou não te vai mais bem de Lubac, aquele que sempre me disse com indesconfiável admiração?

M. – Uma historiografia neutra não existe

A. – Sim, mas é bom ao menos ser pacato. E, de qualquer forma, falo de uma supervalorização que não é só autobiográfica e historiográfica. Mas é também filosófica, ousaria dizer.

M. – O que é?

A. - Veja, tomemos como exemplo o problema do “espírito” e da “letra”.

M. – Não vai me dizer que os documentos conciliares deveriam ser lidos somente segundo a letra!
A. – Porque quer banalizar o discurso? É verdade que a letra tem que ser sempre levada em consideração, mas não é, de qualquer forma, suficiente para uma hermenêutica completa. Sobre isto concordam os juristas romanos Celso e São Paulo. O que me basta.
M. – E então?

A. – Depende do que entendemos como “espírito”. Quem entra em jogo na supervalorização. Tome por exemplo Hegel a Jena. Era claramente sobrevalorizado: em Napoleão via a História que passa a cavalo... Recorde aquele passo da “Lições di Jena”, que não por acaso foi também citado do negativista Kojève aquele escrito da sua “Introdução a leitura de Hegel”? Recorda o tom? “Senhores! Encontramo-nos em uma época importante, em um fermento no qual o Espírito fez um passo avante. Superou a sua precedente forma concreta e adquiriu uma nova...”. Eis, quando eu leio certos teólogos, certos historiadores de hoje, não posso fazer menos do que pensar naquele tom ali.
M. – Você insinua, alude e não conclui. Não é pois uma questão de tom!

A. – Não está me dizendo até que ponto se trate somente de tom, ou de legítima assunção de pontos teóricos, ou de capitulação à lógica imanentista. Cada autor é diverso do outro.

M. – Voltemos ao Concílio. Você cita o jurista romano Celso, insiste sobre o texto, e negligencia o evento.

A. – Outra palavra-chave: o evento. Hegel? Heidegger? Pareyson?

M. – Mas deixe os filósofos!
A. – Não deixo nada! Vocês teólogos de hoje conhecem pouco a filosofia, querem fazer uma teo-logia sem “logos”, a-filosofia ou trans-filosofica. Mas frequentemente é só retórica. E depois a coisa pior é aquela de ser influenciados por Hegel sem nem mesmo ser conscientes disso. Se Hegel estivesse entre nós estaria surpreso pelo grande número de seus descendentes intelectuais, dos filhos... [...] É difícil encontrar algum que não salte de São Tomás a Rahner, omitindo aquilo que está no meio! Hoje se pode diplomar em teologia sem saber, nem mais ou menos, nada de Scoto, de Suarez, de Melchior Cano, de Caietano. Pergunte a dez recém-formados se ouviram alguma vez falar de Scheeben, e diga-me se encontra mais de um par que te respondam afirmativamente.
M. – Agora está exagerando.

A. – Tem razão. Acalmo-me.
M. – O evento! Pense a teologia, pense a “Dei Verbum”: Deus se revela através de eventos e palavras intimamente conhecidas entre eles...
A. – Claro que penso a teologia! Penso na Revelação divina culminante em Cristo, na qual Deus nos disse tudo. Essa é completa, mesmo se não ainda completamente explicitada, como recorda o Catecismo no parágrafo 66. E depois o parágrafo 83: a tradição “vem dos apóstolos e transmite o que estes receberam do ensinamento e do exemplo de Jesus e o que receberam por meio do Espírito Santo”. Seria errôneo pensar em uma evolução histórica. Não é a realidade revelada por Deus que se modifica ou se evolue; é a inteligência de quem crê que cresce aprofundando-se. Se isto é verdade, o Evento único é Cristo, não existe uma idade do Espírito que supera aquela de Cristo.

M. – Poupe-me a história de Gioacchino da Fiore, por favor.
A. – E porque não? Se queremos propriamente procurar o evento epocal pensemos em São Francisco! Quem foi mais epocal que ele, pelo inteiro segundo milênio? Sobre este poderíamos ser de acordo todos, conservadores, progressistas, até mesmo muitos não crentes. Mas a interpretação de quem via em Francisco a inauguração da idade do Espírito foi justamente negada. O próprio Francisco não teria sido estúpido, ele via só Cristo e a Trindade, em tudo.
M. – Mas a historiografia franciscana é complexa. É preciso levar em conta a política de São Boaventura ao narrar a história do fundador...

A. – Mas qual política! Já este uso do termo, referido a um âmbito que um medieval não teria nunca qualificado como “político” [...] porque é fruto de uma má hermenêutica. Se leio os eventos teológicos, filosóficos e jurídicos daquele tempo com a lente do panpoliticismo moderno, se considera “político” todo âmbito do real. Belo modo de calar-se em uma outra época, da parte de quem fala em continuação da história e de historicidade!
M. – Resumindo: onde quer chegar?

A. – Quero só dizer que devemos acabar com essa história de evento epocal. Não existem eventos epocais, em estreito rigor lógico e teológico. Aquela de evento epocal arrisca-se a ser só uma retórica boa para a “mobilização”, uma forma de cripto-ideologia.
M. – Mas o que quer? O eterno retorno do mesmo?

A. – Não. Agostinho demonstrou que o ciclo pagão foi superado para sempre. Trata-se, aliás, de saber ver o Eterno no tempo, que abre um ponto no tempo, “aquele” ponto no tempo, encarnando-se.
M. – Você voltou...

A. – Retorno às fontes. E a Fonte.
M. – Mas o Evento único revive hoje ou não?

A. – Ele é completo. O tempo é completo, veja Marcos 1,15. Mesmo se esperamos sua plena manifestação.

M. – E o Concílio Vaticano II? Te ajuda ou não no caminho?

A. – Claro que me ajuda! Ele, porém, pressupõe o Evento único e a sua definição dogmática irreversivelmente completa nos primeiros sete concílios ecumênicos. Entende que não posso pensar em um evento que “de-calcedoniza” Cristo – isto é, lhe tire aquilo que foi definido dele em Calcedônia – para inculturá-lo na modernidade.
M. – Mas ninguém quer isso!

A. – Aparentemente quase ninguém. Certamente não quer o Vaticano II, que não desejou inovar a fé, como sustentam especularmente, com escopos opostos, as versões extremas do tradicionalismo e do progressismo. Mas pergunto, porém, quanto arianismo tendencial e virtual está hoje em giro, quanto querem humanizar Jesus. Penso por exemplo nos críticos da “Dominus Iesus”, que em 2000, quis relembrar o abc da cristologia. Pergunto-me: quem tem medo dos concílios de Nicéia, de Éfeso, de Calcedônia?

M. – O seu expediente é retórico. Você hierarquiza os concílios para tirar vida do Vaticano II.
A. – Não. Mas me parece que hoje estão em jogo os fundamentos da fé [...]

M. – Chega, estou cansado. Volto pra casa e leio alguma coisa do meu livro Jornada de uma alma, de Ângelo Giuseppe Roncalli.

A. – Que coincidência, também o estou lendo...

Duas recensões sobre o livro podem ser lidas aqui.

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