Mais um capítulo delineou-se na trajetória dos fatos iniciados com o levantamento das excomunhões dos bispos lefebvrianos em janeiro passado. No último dia 12 de março, Bento XVI, numa atitude nada usual, escreveu uma carta aberta para os bispos da Igreja Católica de todo o mundo visando colocar os pontos nos “is” e tentar encerrar as polêmicas. Como sabemos, e já tratei mais de uma vez nessa coluna, a atitude do papa levantou protestos contrários a seu ato por toda a orbi, não só católica, mas também, e principalmente, entre o povo judeu e alguns de seus representantes religiosos. Marcado por incompreensões e instrumentalização ideológica por determinados grupos, de um dos atos que podem ser dos mais importantes do pontificado de Joseph Ratzinger, Bento XVI decidiu escrever uma carta para todos os bispos a fim de eliminar de uma vez por todas as contendas que se iniciaram e se aprofundaram frente ao levantamento das excomunhões.
Citando Gálatas 5, 13-15, Bento XVI deixa uma das mensagens principais de seu texto aos bispos: hoje, na Igreja, é preciso tomar cuidado para que os católicos não nos devoremos mutuamente. O papa chama atenção assim para os perigos do aprofundamento das divisões. A preocupação frente aos desdobramentos do levantamento das excomunhões soma-se ao tom angustiado em que Ratzinger fala aos bispos. Alguns pontos são interessantes de chamar atenção. Dois de caráter prático e um de caráter teórico, vamos assim dizer. O primeiro: o pontífice fala da centralidade da internet como meio de comunicação. Se os responsáveis pela aproximação com os lefebvrianos tivessem recorrido ao meio de comunicação com mais profundidade e vigor teriam chegado às posições negacionistas de Richard Willianson. Afirma: “Disseram-me que o acompanhar com atenção as notícias ao nosso alcance na internet teria permitido chegar tempestivamente ao conhecimento do problema. Fica-me a lição de que, para o futuro, na Santa Sé deveremos prestar mais atenção a esta fonte de notícias.” O outro ponto prático é a intenção de Bento XVI unir a Comissão Pontifícia «Ecclesia Dei» - presidida pelo cardeal Dario Castrillón Hoyos, responsável pelo diálogo com os tradicionalistas, à Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, chefiada atualmente pelo cardeal Willian Levada. A questão dos lefebvrianos é vista, assim, como discussão doutrinal que deve ser resolvida por este dicastério. E qual é esse problema: a aceitação do Concílio Vaticano II e o magistério pós-conciliar dos papas, profundamente criticados pela Fraternidade São Pio X. Tal questão prática liga-se estritamente ao ponto teórico. Bento XVI avisa: “Não se pode congelar a autoridade magisterial da Igreja no ano de 1962: isto deve ser bem claro para a Fraternidade.” Isto é, defender que as decisões do magistério eclesiástico são legítimas até Pio XII, o último papa antes do Vaticano II, não é correto e não pode ser aceito. (Apenas uma informação como nota: existem aqueles, também tradicionalistas, que afirmam que a Sé papal não está ocupada desde a morte de Pio XII, referindo-se aos papas posteriores como “anti-papas”, pois assumindo os ensinamentos do concílio teriam negado a fé verdadeira. São conhecidos como sedevacantistas.) Por outro lado, Bento XVI insiste na idéia que marca seu pontificado. Afirma: “Mas, a alguns daqueles que se destacam como grandes defensores do Concílio, deve também ser lembrado que o Vaticano II traz consigo toda a história doutrinal da Igreja. Quem quiser ser obediente ao Concílio, deve aceitar a fé professada no decurso dos séculos e não pode cortar as raízes de que vive a árvore.” Mais uma vez o papa deixa claro suas intenções: não voltar para antes do concílio, o que seria por si só irrealizável, mas entendê-lo inserido numa tradição viva, que caminha rumo ao encontro dAquele de que faz referência a dois mil anos.
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