A chegada de Barack Obama ao poder dos Estados Unidos da América mexeu com as expectativas por todos os lados. Considerado pela opinião pública norte-americana, e quiçá do mundo, como um anti-Bush, além de ser mulato e descendente de uma família muçulmana do Quênia, o que traz uma novidade para os EUA, Obama é visto como a encarnação da transformação (vide o slogan utilizado em sua campanha: “We can change!”), das mudanças que, segundo seus entusiastas, construirão um novo Estados Unidos da América e, de quebra, um novo mundo, não mais assinalado pela “prepotência yankee”. A sua chegada, proclamam, ao maior posto político do país mais poderoso da terra é uma “reviravolta histórica”. A esperança, sabemos, é uma das características importantes do homem e aquele que não “espera”, não se projeta na vida e não se confronta com o tempo em sua magnitude. A esperança é a forma pela qual somos empurrados em direção ao futuro, na ânsia de sermos respondidos em nossas exigências primeiras. Contudo, sabemos que também podemos nos enganar profundamente ao assumir uma esperança em alguém, colocando todos os nossos desejos e sonhos centralizados em uma só pessoa, enxergando-a, assim sendo, como “o Messias”, que solucionará todos os problemas e pendengas que nos assolam. E da onde surge o sinal, ou os sinais, no qual nos pode fazer intuir essa hipótese? Da história. Vimos o que tal tipo de esperança desencadeou no mundo do século XX: perseguições, emigrações forçadas, escravização, progoms e assassinatos em massa. A falsa esperança em falsos messias que resolveriam nossas intempéries e nossas mais profundas questões frente ao sentimento de absurdo que sentimos ao nos confrontarmos com a dor e a morte – nossos dois principais problemas – levou-nos ao fundo do abismo desse sentimento ao presenciarmos os momentos mais bárbaros da história humana. Nunca se matou tanto de forma mais rápida e “melhor” do que no século passado. Mussolini, Hitler, Stálin, Mao são seus maiores exemplos. Estes desejavam, e foram acreditados por isso como profetas de um conhecimento superior, o “mundo prometido”, o “fim dos tempos”, a grande mudança que nos levaria à esperada paz beatífica.
Não quero dizer, claro, que Obama represente um perigo tal. Mas é notável, e quem sabe sintomático, descobrir que Barack Obama citou mais de três vezes Joachim di Fiore. Por quê? Segundo Eric Voegelin, em seu A nova ciência da política, Di Fiore, aquele monge europeu do século XIII, trouxe de volta, em sua simbologia, o latente desejo de redivinizar o mundo a partir de uma especulação filosófica sobre o sentido da história. Baseando-se na doutrina da Trindade, Di Fiori "previu" em sua teoria gnóstica que o homem passaria por suas andanças na terra por três fases: a do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo. A última, que segundo ele tinha data pra iniciar, lá pelos meados dos 1200, seria aquela na qual o homem chegaria a sua "maioridade", com o fim da instituição eclesiástica, ou seja, a autoridade. O Espírito, "democratizado", tornaria obsoletos e desnecessários o poder e a autoridade, qualquer tipo fosse. Todos estaríamos libertados para sempre num reino imanente de paz, harmonia e felicidade. Para o filósofo austro-americano, com Di Fiore iniciamos a construção simbólica da representação política moderna. O monge teria invertido falaciosamente a lógica da escatologia cristã, organizada por Santo Agostinho em seu monumental Cidade de Deus, no qual desprezava as crenças milenaristas como “fábulas ridículas”. Trazendo para o imanente o que está para acontecer no transcendente, com uma teoria na qual o sentido estava contido em três estágios de desenvolvimento, Di Fiori forneceu os elementos da política moderna. Tal especulação teria sido usada, talvez inconscientemente – Voegelin afirma não compreender como não teriam percebido a falácia – como o pano de fundo no quais pensadores como Marx (comunismo primitivo – sociedade de classes – comunismo) e Comte (idade mítica – idade metafísica – idade positiva), além daqueles que os precederam, como os filósofos Fichte e Hegel, para elaborar os seus sistemas e teorias. A inversão da escatologia cristã constituiu uma filosofia da história que trazia para a esfera do imanente duas características centrais do sentido da história cristã: passaremos pelos “finais dos tempos” (teleologia) e ele será marcado pela vitória do bem (axiologia).
Sabemos, e experimentamos espiritualmente, a luta contínua e diária que é viver em um mundo no qual se mergulha no deserto abismal do nada. Caminhamos – ora combalidos, ora fortalecidos – pelo séquito de incertezas que nos acompanha por toda a nossa vida. Entretanto, entregar-se a toda sorte de milenarismos e messianismos fáceis é cair nas infindáveis teias desse mundo e negar – ou tentar, pois nesse caso só existe a tentativa – nosso caráter efêmero e a inefabilidade do sentido da história e do cosmos. Assim fazendo, confiamo-nos aos profetas dos novos tempos, aqueles “esperantes às avessas, escavadores do nada”, como dizia Léon Bloy.
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