Em seu último livro publicado na Itália - L'elogio della coscienza: la verità interroga il cuore - Bento XVI tenta demonstrar, em meio ao relativismo moral que perpassa as sociedades ocidentais, qual a função do papado. De fato, o papado é uma instituição não muito compreendida, especialmente nesses tempos. Corriqueiramente me perguntam sobre o que acho de Ratzinger, sempre em comparação a João Paulo II, o papa midiático que encantava a todos com seu sorriso e até mesmo fragilidade com o passar dos anos. Frente à repulsa a qualquer tipo de autoridade, Bento XVI visa lembrar qual o significado do papado e para isso se utiliza de uma frase do famoso cardeal John Henry Newman (século XIX). Em uma tradução livre, Newman afirma: "Certamente se eu devesse levar a religião a um brinde depois do almoço - coisa que não é muito indicado fazer - então eu brindaria ao papa. Mas primeiro pela consciência, depois pelo papa". O cardeal visava minimizar as premissas da Igreja ultramontana ao afirmar que se deva aceitar a autoridade do papa somente quando é considerada junto do primado da consciência. Ratzinger utiliza-se dessa frase para afirmar, contra o subjetivismo moderno, que o indivíduo tem em si a "presença perceptível e imperiosa da voz da verdade" dentro de si e que "a consciência é a superação da mera subjetividade no encontro entre a interioridade do homem e a verdade que provém de Deus" (p.18). Segundo Bento XVI, "a verdadeira natureza do ministério de Pedro tornou-se incrompreensível no todo na época moderna precisamente porque nesse horizonte mental se pode pensar a autoridade só com categorias que não consentem mais alguma ponte entre sujeito e objeto". Ratzinger utiliza-se do conceito de anamnesis para falar da missão petrina. Como carregamos as "sementes do Verbo" em nossos corações, somos capazes, como nos fala Santo Agostinho, do Bem. Porém, essa capacidade não é tematizada, mas sim um senso interior, uma capacidade de reconhecimento. Para Bento XVI, a anamnesis infusa no nosso ser precisa de uma ajuda do exterior para tornar-se consciente de si. Aí está a função do papa, uma função maiêutica. Mais do que diretivas da hierarquia, afirma, é a capacidade de orientamento da memória da fé simples, que leva ao discernimento dos espíritos. "Só em tal contexto se pode compreender corretamente o primado do papa e a sua correlação com a consciência cristã", nos diz.
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