O levantamento das excomunhões dos bispos sagrados por Marcel Lefebvre e Antônio de Castro Mayer em 1988 trouxe para os meios católicos inúmeras dúvidas e questões. Muita gritaria ouviu-se por todos os cantos do mundo, principalmente quando venho à tona que um daqueles bispos, o britânico Richard Willianson, é, como se diz no jargão histórico, um negacionista, ou seja, nega que teria havido a morte de 6 milhões de judeus na Segunda Grande Guerra. A predisposição de Bento XVI em levantar unilateralmente as excomunhões pode ser considerado como um ato de benevolência do papa, além de especialmente apropriado para que a Igreja recobre a sua unidade e acabe de vez com o cisma do século XX. Contudo, a gritaria geral, principalmente nos círculos progressistas, pautou-se na idéia de que Bento XVI, como um papa da “restauração”, deseja com a atitude dar marcha-ré ao processo iniciado pelo Concílio Vaticano II e levar a Igreja à situação “pré-conciliar”. Como disse na coluna passada, a complexidade se impõe frente às reduções ideológicas. A intenção do Bento XVI é mais que clara e pode ser lida em seu discurso aos cardeais no Natal de 2005, primeiro ano de seu pontificado: deve-se privilegiar a hermenêutica contínua em vez da hermenêutica da ruptura do Vaticano II, que, segundo ele, é uma das culpadas pela crise que se instalou na Igreja depois do evento conciliar. Devemos relembrar alguns fatos: em 1976 Lefebvre é suspenso a divinis por não obedecer a ordem vinda da Santa Sé de que deveria dissolver a FSSPX (Fraternidade Sacerdotal São Pio X). Aumenta o tom de denuncia contra a “Igreja conciliar” e, em 1988, quando sagra quatro novos bispos da FSSPX sem mandato pontifício é excomungado junto com eles. O cisma está feito. E ainda não foi sanado.
O levantamento das excomunhões por Bento XVI não resolve o problema. Assim como o levantamento das excomunhões recíprocas entre Roma e Constantinopla por Paulo VI e Atenágoras não fez com que retornasse a unidade entre a Igreja Romana e as Igrejas Ortodoxas orientais. É preciso notar que o levantamento das excomunhões, em ambos os casos, deve ser interpretado como o primeiro passo para que o cisma seja suprimido. Em tempos de ecumenismo, como proposto pelo próprio Vaticano II em seu decreto Unitatis Redintegratio, um ato de concórdia como esse é sempre bem vindo. Entretanto, a mídia em geral espalha a notícia, com seu tom característico de sensacionalismo, como se a FSSPX tivesse já sido novamente inserida no seio da Igreja, o que não procede.
O agravante das incompreensões, de acordo com o vaticanista Sandro Magister, foi a ressonância da entrevista de um dos padres beneficiados pelo levantamento da excomunhão, Richard Willianson. A sua infeliz e alucinante posição negacionista repercutiu muito mal, como não poderia ser diferente. Tal entrevista, exibida pela televisão sueca em primeiro de novembro de 2008 foi difundida exatamente no mesmo dia em que o decreto era assinado pelo papa. Assim, a primeira notícia que circulou por sites e jornais por todo o mundo foi a de que o papa absolvia a excomunhão dos lefebvristas e acolhia na Igreja um bispo negacionista. Levantaram-se vozes de protestos por todo o mundo, inclusive com o Rabinato de Jerusalém cortando relações com o Vaticano. Os protestos só são atenuados em 28 de janeiro quando o papa intervém com dois esclarecimentos em sua audiência geral das quartas-feiras: primeiro, os lefebvristas devem reconhecer a autoridade do papa e do Concílio Vaticano II; segundo, devem reconhecer a verdade histórica da Shoah (massacre perpetrado contra os judeus durante a Segunda Guerra Mundial e que resultou na morte de 6 milhões de pessoas). As perguntas que Magister se coloca e logo lança algumas hipóteses são as seguintes: tudo isso era inevitável, uma vez que o papa havia decidido sobre o levantamento das excomunhões? Ou o desastre foi produzido por erros e omissões daqueles que deveriam colocar em andamento as decisões do papa? Para o vaticanista, os fatos apontam para a segunda hipótese, ou seja, o problema foi a Cúria. O decreto, como se sabe, tem a assinatura do cardeal Giovanni Battista Re, prefeito da Congregação para os Bispos. Porém, Re diz que não sabia da perspectiva negacionista de Willianson. Outro cardeal, responsável pelo diálogo com os lefebvristas e que se ocupa do caso desde 1988 como presidente da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, Darío Castrillón Hoyos, também diz que não sabia dessa face do bispo Willianson. Mas isso não era a obrigação dos dois cardeais? Num caso tão delicado como esse, os cardeais responsáveis pelo documento não sabiam de tão grave posicionamento do lefebvrista britânico? Um cardeal que surpreendentemente ficou fora das discussões, segundo Magister, foi Walter Kasper, chefe do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Surpreendente porque o documento de levantamento das excomunhões veio a publico durante a anual semana de oração pela unidade dos cristãos e há poucos dias antes da jornada mundial da memória da Shoah. Mais surpresa: no dia 17 de janeiro sucedeu-se a jornada para o diálogo entre católicos e judeus. Descompasso completo. Tudo teria se dado mais tranquilamente se tivesse havido um equilíbrio entre os eventos e passos compassados entre os escritórios responsáveis de colocar em andamento as disposições papais. Para Magister, a culpa de tanto desencontro teria sido dos escritórios da Cúria que receberam os comandos. Escritórios que se resumem na Secretaria de Estado, ponta da máquina curial com acesso direto ao papa. Afirma: “Que o papa Ratzinger tinha renunciado a reforma da Cúria todos já sabiam [...] teria desistido da idéia confiando a guia dos escritórios a um secretário de Estado dinâmico e de pulso, Bertone.” Contudo, o que Magister parece sugerir é que Tarcísio Bertone e a Secretaria de Estado foram os responsáveis por tamanho turbilhão. Parece que uma idéia de reforma da Cúria ganha força.
O levantamento das excomunhões por Bento XVI não resolve o problema. Assim como o levantamento das excomunhões recíprocas entre Roma e Constantinopla por Paulo VI e Atenágoras não fez com que retornasse a unidade entre a Igreja Romana e as Igrejas Ortodoxas orientais. É preciso notar que o levantamento das excomunhões, em ambos os casos, deve ser interpretado como o primeiro passo para que o cisma seja suprimido. Em tempos de ecumenismo, como proposto pelo próprio Vaticano II em seu decreto Unitatis Redintegratio, um ato de concórdia como esse é sempre bem vindo. Entretanto, a mídia em geral espalha a notícia, com seu tom característico de sensacionalismo, como se a FSSPX tivesse já sido novamente inserida no seio da Igreja, o que não procede.
O agravante das incompreensões, de acordo com o vaticanista Sandro Magister, foi a ressonância da entrevista de um dos padres beneficiados pelo levantamento da excomunhão, Richard Willianson. A sua infeliz e alucinante posição negacionista repercutiu muito mal, como não poderia ser diferente. Tal entrevista, exibida pela televisão sueca em primeiro de novembro de 2008 foi difundida exatamente no mesmo dia em que o decreto era assinado pelo papa. Assim, a primeira notícia que circulou por sites e jornais por todo o mundo foi a de que o papa absolvia a excomunhão dos lefebvristas e acolhia na Igreja um bispo negacionista. Levantaram-se vozes de protestos por todo o mundo, inclusive com o Rabinato de Jerusalém cortando relações com o Vaticano. Os protestos só são atenuados em 28 de janeiro quando o papa intervém com dois esclarecimentos em sua audiência geral das quartas-feiras: primeiro, os lefebvristas devem reconhecer a autoridade do papa e do Concílio Vaticano II; segundo, devem reconhecer a verdade histórica da Shoah (massacre perpetrado contra os judeus durante a Segunda Guerra Mundial e que resultou na morte de 6 milhões de pessoas). As perguntas que Magister se coloca e logo lança algumas hipóteses são as seguintes: tudo isso era inevitável, uma vez que o papa havia decidido sobre o levantamento das excomunhões? Ou o desastre foi produzido por erros e omissões daqueles que deveriam colocar em andamento as decisões do papa? Para o vaticanista, os fatos apontam para a segunda hipótese, ou seja, o problema foi a Cúria. O decreto, como se sabe, tem a assinatura do cardeal Giovanni Battista Re, prefeito da Congregação para os Bispos. Porém, Re diz que não sabia da perspectiva negacionista de Willianson. Outro cardeal, responsável pelo diálogo com os lefebvristas e que se ocupa do caso desde 1988 como presidente da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, Darío Castrillón Hoyos, também diz que não sabia dessa face do bispo Willianson. Mas isso não era a obrigação dos dois cardeais? Num caso tão delicado como esse, os cardeais responsáveis pelo documento não sabiam de tão grave posicionamento do lefebvrista britânico? Um cardeal que surpreendentemente ficou fora das discussões, segundo Magister, foi Walter Kasper, chefe do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Surpreendente porque o documento de levantamento das excomunhões veio a publico durante a anual semana de oração pela unidade dos cristãos e há poucos dias antes da jornada mundial da memória da Shoah. Mais surpresa: no dia 17 de janeiro sucedeu-se a jornada para o diálogo entre católicos e judeus. Descompasso completo. Tudo teria se dado mais tranquilamente se tivesse havido um equilíbrio entre os eventos e passos compassados entre os escritórios responsáveis de colocar em andamento as disposições papais. Para Magister, a culpa de tanto desencontro teria sido dos escritórios da Cúria que receberam os comandos. Escritórios que se resumem na Secretaria de Estado, ponta da máquina curial com acesso direto ao papa. Afirma: “Que o papa Ratzinger tinha renunciado a reforma da Cúria todos já sabiam [...] teria desistido da idéia confiando a guia dos escritórios a um secretário de Estado dinâmico e de pulso, Bertone.” Contudo, o que Magister parece sugerir é que Tarcísio Bertone e a Secretaria de Estado foram os responsáveis por tamanho turbilhão. Parece que uma idéia de reforma da Cúria ganha força.
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